Mesmo que esta impressão possa estar contaminada por algum ranço saudosista, acho que as festas de fim de ano ficaram muito chatas, porque foi diminuindo o calor do aconchego, dissipado por esse furor mercantilista que tenta compensar o afeto negligenciado por um bem material, como se houvesse uma moeda de troca na negociação espúria que pretenda substituir o carinho fraudado. Esse que não se reembolsa com nenhum Pix do mundo.
No fundo, o que essas datas fazem com a nossa velhice é hierarquizar o afeto que distribuímos sem pretensão assumida de ressarcimento, mas com uma expectativa meio ingênua, muito inocente, de que não nos esqueçam, sendo bom como é ser lembrado. Não pretendo polemizar o quanto é justa essa escala de distribuição de mimos que privilegia as crianças, que tem pais e avós a reverenciá-los, conforta os adultos, que presenteiam os filhos e são presenteados pelos pais, e isolam os velhos que têm que se contentar com o prazer unilateral de agraciar, buscando alguma sobra de felicidade que possa ter respingado do ato de ser generoso. Penso que esse sentimento explica, em grande medida, a saudade do tempo em estivemos no pelotão do meio, quando acima de nós estavam os pais, esses amados, que já não estão. Se não for assim, como explicar a falta que sentimos deles e essa aguda necessidade de recontar histórias que vivemos juntos em um tempo que dói só de lembrar?
Ou é pura coincidência que essas festas deixem um rastro de nostalgia nos velhinhos, que mesmo se sentindo menos importantes do que já foram precisam estar atentos para não contagiar de inconcebível tristeza, a quem só sabe estar feliz? Mas, como sempre, a sabedoria do bem viver se apressa em oferecer algum ganho, que ao menos atenue a sensação de perda, que induz alguns avós queixosos a repetirem que “no meu tempo a vida era muito melhor” sem se darem conta que, com esta declaração, além de chatearem os outros, eles estão se dando por acabados. Claro que não cabe a pretensão de ensinar a alguém o melhor jeito de envelhecer, porque essa tarefa, como poucas, tem o lacre da individualidade.
Mas, como um aprendiz autônomo, estou convencido de que esses tempos servem, como nenhum outro, para aproximar os irmãos, unidos pelas mesmas referências afetivas e habituados tanto a comemorações presenciais barulhentas quanto a distâncias silenciosas, mas cheias de saudade. Esse sentimento que dá a algumas pessoas, a milagrosa sensação de estarem juntas não estando.
Era tarde da noite quando o Décio mandou um WhatsApp, contando uma experiência recente: “Dia desses, meu irmão, fui visitar nosso Pai e a sua Xuxa, achei eles muito quietos, e fui embora, pensando: é muito chato morrer!”. Demorei para dormir, querendo ter estado ao lado dele, e repartir, solidário, a cumplicidade daquele silêncio.