Cristóvão é personagem de uma linda história de destemor e vontade de viver. Nosso primeiro contato foi antes da pandemia. Agrônomo, de uns 40 e poucos anos e uma aparência saudável, com um bronzeado de quem não usa protetor solar. Se a voz do medo se pode reconhecer por algumas características, a dele, com suspiros e solavancos, alternados com tosse, preenchia os critérios.
— Queria que o senhor olhasse meus exames e fosse franco comigo!
Essa introdução combinava com a impressão de pasmo que acompanha a descoberta da finitude numa idade em que morrer está fora de cogitação. A tomografia de tórax mostrava um infiltrado mais denso que ocupava a metade inferior do pulmão esquerdo e comprometia levemente o terço médio do pulmão direito.
Querendo ganhar tempo, comecei a dizer que teríamos que fazer uns exames para o diagnóstico, e ele interrompeu:
— Já tenho o diagnóstico, doutor. É um adenocarcinoma de pulmão, e eu queria muito ouvir uma segunda opinião, sobre quanto tempo o senhor acha que eu tenho de vida, porque estou de casamento marcado e não estou preparado para morrer agora.
Do primeiro médico, o agrônomo Cristóvão, 40 e poucos anos, ouviu: 'Não se preocupe em plantar o que você não vai colher!'.
Agora tudo estava coerente: descobrir-se mortal antes da idade média dos viventes é uma experiência cruel e quase impossível de administrar. Mas o Cristóvão parecia determinado a encarar as circunstâncias, com uma coragem que algumas pessoas tiram não se sabe de onde.
Definido que não era uma lesão cirúrgica, restava apostar todas as fichas no tratamento sistêmico, e naquele momento surgiam os primeiros relatos promissores da imunoterapia, isolada ou em associação com a quimioterapia. A expectativa de resposta com a imunoterapia, enriquecida com a informação que consistia em usar drogas que estimulavam as células de defesa do organismo a reconhecerem as células tumorais como estranhas, e a combatê-las, foi recebida com o entusiasmo de um náufrago que abraça a primeira tábua boiando no mar.
Mas esse nosso Cristóvão, que pela bravura podia ser Colombo, queria saber mais, e a pergunta seguinte tinha a ansiedade que quem já entendeu que, diante de um inimigo desse tamanho, não podemos conceder espaço para surpresas:
— E se esse tratamento não funcionar?
Foi um alívio admitir que ainda haveria uma última alternativa:
— Esse tumor tende a se manter restrito ao pulmão, mesmo com a progressão da doença, determinado uma perda gradual da capacidade respiratória. Nesses casos, e só nesses casos, confirmada que a doença continua exclusivamente pulmonar, o transplante pode ser considerado.
No fim da consulta, nos despedimos com um abraço. Desses que selam as parcerias no desespero. Os semestres que se seguiram confirmaram as expectativas mais otimistas. As lesões sumiram, os sintomas desapareceram e a preocupação passou a ser um leve sobrepeso.
Dois anos e meio depois, a reconsulta mais se assemelhava a um encontro social, com a apresentação da esposa, feliz da vida, e uma retrospectiva pungente daquela primeira consulta, a ilustrar a importância da preservação da esperança, mesmo quando não há muito mais o que oferecer.
— Vivi este tempo como uma pessoa sadia. Doeu muito contar aos meus pais, mas disse a eles e aos meus conhecidos que meu pulmão esteve doente, e eu, não. E festejei cada nova safra, sem esquecer a gana de contrariar o primeiro médico, que, quando lhe perguntei se eu podia continuar trabalhando, porque era tempo de plantar a lavoura, me respondeu: “Não se preocupe em plantar o que você não vai colher!”.