Pessoas que trabalham com as palavras podem usá-las de maneira dúbia, de modo a confundir o incauto leitor, que pode ouvir opiniões diversas e achar que é tudo a mesma coisa. O jornalista isento é aquele que leva a informação mais completa e sem contaminação, para que o receptor formule a sua opinião, amparado nas ideias prévias que ele tenha sobre o assunto. Enquanto isso, o jornalista comprometido com uma causa não resiste à tentação de aproveitar a oportunidade (a tal que faz o criminoso) de plantar nos espíritos ingênuos as sementes das suas próprias crenças. Com este tipo de autor, em geral, antes de terminar o primeiro parágrafo, já é possível perceber o seu viés ideológico, que, independentemente de ser de direita ou esquerda, conta para prosperar com a baixa capacidade intelectual do leitor. Com a grande imprensa ignorando o rumor crescente das redes sociais, resta a impressão de que o mundo real está dividido entre o que convém acreditar e o que é mais prudente chamar de fake.
Pois é nesse caldeirão que se cozinha a esperança do homem do povo, que deve pinçar o que acha que é verdadeiro para construir a sua própria convicção. O problema é que ele está exposto a uma doutrinação subliminar contínua, e assim, depois de um tempo, em que frases de efeito ficaram reverberando no seu cérebro adestrável, sem perceber, ele passa da apática posição de espectador à condição de militante convicto. Para melhor alcançar o objetivo deste patrulhamento mental, esses arautos da realidade questionável apelam à tática consagrada da repetição de chavões eivados de hipocrisia, e sempre aos gritos, como se a verdade definitiva estivesse dentro do casulo da surdez absoluta. E assim chega-se ao absurdo de devolver ao acusador, que encarcerou tantos ladrões defendidos pelos melhores advogados, a pecha de corrupto execrável. E tudo sem encabular, em nome de pretensa moralidade, como se a ética fosse um joguete que pudesse trocar de mãos, pela simples vontade dos que, sem ter argumentos inteligíveis, devolvem as acusações que não conseguiram refutar.
Há algo mais constrangedor do que, não podendo negar as acusações, apegar-se à pobreza de argumentar que as provas foram tecnicamente contaminadas?
Sem artifícios novos, porque até a criatividade da safadeza tem limite, repete-se a estratégia utilizada por Collor que, numa desfaçatez histórica, festejou quando o STF o “inocentou” – porque as provas tinham sido obtidas sem mandado judicial, lembram? Aliás, as acusações, todas irrefutáveis, continuam lá, intactas, arquivadas, à espera de um historiador isento que, ao lê-las no futuro remoto, sentirá vergonha da humilhação a que se submeteu um povo tolerante, que de tanto ser ignorado há muito se despira da reserva moral da indignação. Ou há algo mais constrangedor do que, não podendo negar as acusações, apegar-se à pobreza de argumentar que as provas foram tecnicamente contaminadas e esperar que alguém possa supor que isto é sinônimo de inocência?
Para aumentar o desencanto, a Justiça, pretendida como última esperança, encolheu aos olhos do seu povo quando abandonou, em causa própria, a nobre missão de defender os dignos e jamais acobertar os canalhas. Pois este séquito de iniquidade é acompanhado com desvelo mentiroso por uma legião de formadores de opinião, que se dividem entre os cegos por conveniência e os muitos que estão interessados apenas em assegurar seus futuros individuais. E assim se constrói a nação dos cada um por si, onde nem Deus aguentará ser por todos.