Todos os que têm experiência com pacientes terminais aprenderam há muito tempo que, quando, ao ser perguntado “Como está se sentindo hoje?”, o paciente responde: “Um pouco melhor, doutor!”, o médico está livre temporariamente das perguntas massacrantes de quem, fugindo do usual, resolva discutir a desgraça de estar sofrendo à espera da morte. Questionar a proximidade do fim é triste para o paciente, que se sente vulnerável como nunca, e desagradável para o médico, que é colocado na parede para que assuma a sua inegável impotência. Então, a negação que é adotada pelos pacientes, na maioria das vezes como estratégia de sobrevivência, funciona, ainda que precariamente, como uma trégua fugaz no desespero de um e uma prorrogação no desconforto do outro.
Conhecia o Fernando, um jovem e conceituado psiquiatra, apenas socialmente. Fui chamado para avaliá-lo num hospital da cidade e encontrei-o numa situação dramática. Tinha sido submetido a uma cirurgia abdominal e desenvolvera, em função de uma imunossupressão provocada pela quimioterapia, uma rara e trágica complicação: ocorrera gangrena da parede anterior do abdome, a partir da qual as vísceras passaram a ser contidas por uma tela. Minha participação no atendimento estaria relacionada com o tratamento de uma extensão da tal infecção para a pleura. Encontrei-o extremamente deprimido e fiquei impressionado com a naturalidade com que anunciou a sua certeza de que ia morrer, porque descobrira a baixíssima contagem de glóbulos brancos que, como médico, sabia bem, apontava para uma septicemia grave em paciente com defesas imunológicas comprometidas.
Enquanto tentava, em vão, animá-lo com a perspectiva de que, resolvido o foco novo de infecção, as coisas poderiam reverter, chegou para visita um colega da unidade de psiquiatria que o visitava pela primeira vez e não tinha a mínima ideia da dramaticidade do caso. Chocado com a gravidade da situação, o visitante foi ficando cada vez mais ansioso, até anunciar que devia voltar ao hospital para uma tradicional reunião com os residentes. Prometeu voltar no dia seguinte e abriu a porta do quarto para escapar do desconforto de constatar o quanto deixara o colega de trabalho desassistido. E, então, do umbral, fez uma última pergunta: “Fernando, alguma coisa mais que eu possa fazer?”. Ninguém estava preparado para a resposta: “Bom, eu gostaria mesmo é de tirar esses curativos podres, sacar estes drenos e sondas, ir para casa, tomar banho com sabonete Johnson, transar com minha mulher e depois tomar minuano limão, bem gelado. Você acha que pode me ajudar com isso?”. Fulminado pelo imprevisto, o coleguinha debandou. Pela pressa, imagino que para sempre.
Ainda sem a experiência que a idade me ensinou, fiquei em silêncio. Ele destilou a amargura de estar por morrer tendo apenas 36 anos, uma esposa amada e dois filhos pequenos. De vez em quando, fazia uma pausa e recomeçava depois de uns soluços de olhos secos. Entraram na lista dos lamentos o doutorado em fase de conclusão, a possibilidade de aperfeiçoamento em Philadelphia e, como era de se esperar, a perda da chance de ver seus filhos prontos para a vida e os netos encaminhados para alegrá-la. Não lembro bem quanto tempo durou nossa conversa, mas arquivei para sempre o comentário da despedida: “Estou internado aqui há 10 dias e você foi a única pessoa que me ouviu sentado, como fazem as pessoas que não têm pressa. Obrigado por isso!” Aprendi com o sofrimento do Fernando que, quando a palavra trancada na garganta não pode mais oferecer esperança, que ao menos os ouvidos representem a promessa solene de parceria. E incondicional.