A escravidão moderna, conhecida pelo eufemismo "condições análogas à escravidão", ainda é recorrente no Brasil do século 21. É o que mostra levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), revelado nesta quarta-feira (20) pela agência de dados Fiquem Sabendo (especializada em Lei de Acesso à Informação). A pesquisa mostra que 1,4 mil pessoas foram resgatadas de situações deploráveis nos seus empregos, neste ano. Os números enviados vão até setembro.
O Rio Grande do Sul é destaque nos episódios de 2023, algo incomum em outros anos. O caso mais notório foi o resgate de 210 safristas da colheita da uva na serra gaúcha, ocorrido em fevereiro e detalhado pelas repórteres Vitória Leitzke e Flávia Terres (do jornal Pioneiro).
Os trabalhadores foram encontrados por uma força-tarefa do MTE, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) numa pensão em Bento Gonçalves, em condições insalubres. Eles relataram terem sido submetidos a jornadas exaustivas de trabalho, não terem recebido o dinheiro prometido pelo serviço, estarem endividados com os patrões (por terem de comprar itens de limpeza e alimentação, do próprio bolso) e não poderem sair do alojamento. Os que se queixaram teriam sido espancados, conforme relatos feitos aos fiscais.
A situação resultou em multas milionárias e prejuízo à imagem de algumas vinícolas gaúchas. Menos mal que, em decorrência do episódio, vários procedimentos foram adotados por essas empresas autuadas, para que as condições de trabalho melhorassem. Alojamentos foram construídos e foi aumentada a automação na colheita (para gerar menos desgaste aos safristas), além de implementadas fiscalizações pelos próprios empregadores.
O caso da serra gaúcha ocupa o segundo lugar no número de resgatados. Perde apenas para para o resgate de 212 trabalhadores da colheita e beneficiamento de cana-de-açúcar em Itumbiara (GO), em março. Necessário ressaltar que essa descoberta aconteceu em quatro municípios goianos, mas na contabilidade do governo federal, para todos os efeitos, o epicentro foi Itumbiara.
O Brasil contabiliza 103 casos de trabalho análogo à escravidão descobertos neste ano, com 1,4 mil resgatados. Dos casos, 10 foram no Rio Grande do Sul (10% do total). É muito, para um Estado que não costuma ser destaque nesse tipo de situação deplorável. Menos mal que a fiscalização atua bastante. Vidas dependem disso.