No início deste mês publiquei uma coluna intitulada "Estudioso aborda questões militares de um ponto de vista de esquerda". Falava sobre o historiador e analista de assuntos militares Manuel Domingos Neto que, na ocasião, lançou em Porto Alegre um livro com título provocativo: O que fazer com o militar? No entender do autor, ex-deputado federal do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) pelo Piauí, tudo tem de ser reformulado na política de Defesa do Brasil.
Fomos então procurados por um grupo de oficiais da reserva do Exército, que assistiram a palestra de Domingos Neto e querem contrapor algumas ideias esboçadas pelo historiador. São eles os coronéis Mário Luiz Rossi Machado (de Artilharia), Gilberto Almeida (de Cavalaria) e Luiz Ernani Caminha Giorgis (de Infantaria, este também historiador militar e escritor). Os três estranharam que, na bibliografia do livro do historiador inexistem referências à Política e Estratégia de Defesa e ao Livro Branco de Defesa, atualmente em vigor e que norteiam o planejamento das Forças Armadas.
Os três militares respondem a algumas colocações feitas por Domingos Neto:
Combate ao Inimigo Interno
Domingos cita que, nas Forças Armadas, "a noção de inimigo interno pressupõe guerra civil permanente" e acrescenta: "Quando o policial age como militar e o militar como policial, a sociedade fica indefesa e o potencial agressor estrangeiro, beneficiado".
Resposta dos oficiais ao colunista: existe inimigo interno no Brasil? Se afirmativo, como caracterizá-lo? As forças de segurança pública e as Forças Armadas têm suas destinações funcionais amarradas na Constituição Federal e na legislação complementar. Na verdade, o que dificulta o pleno cumprimento das suas atribuições são os orçamentos insuficientes, muitas vezes contingenciados, bem como recursos pessoais e equipamentos insuficientes para enfrentar todo o espectro de atuação. Se não existe o inimigo interno, o que poderia levar à ocorrência de guerra civil? Seriam as posições políticas exacerbadas, com manipulação psicológica de expressiva parte da população, por exemplo?
Defesa deve estar a cargo de um civil
Domingos diz que ministro da Defesa não pode ser militar, "porque as forças de terra, ar e mar não se entendem quanto aos seus papeis, o que se revela oneroso, ensejando sobreposições de estruturas".
Resposta dos militares ao colunista: a escolha do Ministro é de exclusiva competência do Presidente da República. Desde a criação do Ministério da Defesa, em 1999, ocuparam o cargo 11 civis, incluindo o atual ministro. Somente cinco ministros foram militares, sendo quatro no último governo (Bolsonaro). Sobre superposições de estruturas nas Forças Armadas, os militares concordam que existem algumas, que vêm sendo estudadas e debatidas pelo Ministério da Defesa. Há de ser levado em consideração que esse ministério tem apenas 23 anos. Por sua vez, a Marinha e o Exército possuem quase 200 anos de existência (são da época da Independência do Brasil), enquanto a FAB foi criada em 1941. Evitar superposições é um enorme desafio, que vai desde a padronização da nomenclatura para equipamentos, bem como o entendimento e identificação de aspectos doutrinários comuns e específicos do emprego das três Forças. Em síntese, muito foi feito, está sendo feito e há de ser feito para aperfeiçoar a Defesa nacional.
Pouco pluralismo político na formulação da Defesa
É o que assegura Domingos, justificando que isso acontece "pela coesão ideológica do pensamento dos militares".
Resposta dos militares ao colunista: esta é uma ideia do escritor Domingos, pois o principal compromisso comum dos militares é com o Brasil, sua defesa e futuro melhor para toda nação. Se os militares não são preparados e nem adequados para tratarem da Defesa nacional, quem o é?
Bloco sul-americano de defesa:
Domingos considera necessário criar "um sólido bloco capaz de impor respeito no tabuleiro internacional, a partir de uma integração sul-americana e não com potências imperialistas".
Resposta dos militares ao colunista: nada contra, mas é difícil implementar algo de tão grande magnitude. São criações que dependem muito da vontade política, relações exteriores, economia dos países envolvidos. Além disso, não é verdade que o Brasil "priorize alianças estratégicas com potências imperialistas", como diz Domingos, a menos que se refira a todos os países do Primeiro Mundo. A ampliação do leque de cooperação no campo bélico com outras nações é perfeitamente possível mas, novamente, esbarra nas limitações orçamentárias. De qualquer forma, nesse início do século 21, aumentou muito a participação de militares e tropas brasileiras em exercícios com tropas de nações amigas, o que permite identificar aspectos e necessidades comuns e diferenças que podem ser minimizadas.
Supremacia tecnológica gera menos necessidade de tropas
Domingos acredita que o Brasil, devido às dimensões territoriais, o tamanho de sua população e seu PIB, não tem motivo para ter Forças Armadas gigantes.
Resposta dos militares ao colunista: eles não visualizam ameaças imediatas, porque o Brasil não tem qualquer contencioso em cerca de 16,8 mil quilômetros de fronteiras terrestres com 10 países. O país tem áreas que despertam o interesse internacional, tais como a Amazônia (clima, reserva de minerais, biodiversidade), espaços físicos destinados às atividades da agropecuária (segurança alimentar para parcela da humanidade) e um crescimento nos crimes transnacionais. Mesmo assim, em curto e médio prazo, os oficiais ouvidos não visualizam engajamentos contra Forças Armadas de outros países. Eles lembram que aproximadamente de 90 a 95 % do comércio exterior brasileiro depende do transporte marítimo e do mar também provêm recursos econômicos como a pesca e o petróleo. Por isso se faz necessária a defesa aeroespacial do nosso espaço territorial e marítimo.
Aviação de combate e mísseis no lugar de soldados
Domingos afirma que "o uso de aviação de combate e de mísseis de grande alcance são mais apropriados do que o deslocamento rápido de tropas, diante de uma ocupação territorial difícil de imaginar, por supérflua e desarrazoada":
Resposta dos militares ao colunista: o historiador não menciona que, na Amazônia, os Pelotões de Fronteira do Exército muitas vezes são a única presença do Estado. Inclusive facilitando assistência de saúde às populações originárias, juntamente com os navios hospitais da Marinha e aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB). Em relação ao tamanho da tropa, há previsão da redução na ordem de 6,2% de pessoal, até 2027, nas diretrizes do Comando do Exército. Eles lembram que a expectativa atual é que o Ministério da Defesa seja contemplado com recursos orçamentários da ordem de 2% do PIB. Hoje, temos somente entre 1,1% e 1,4 % do PIB. Com isso, a estratégia da dissuasão (para que potenciais ofensores desistam de ações sobre o Brasil) depende do entendimento da sociedade brasileira em relação à necessidade de termos maior capacidade de ação aeronaval e desenvolvimento científico tecnológico. Isso, no intuito de diminuir a dependência externa para obtenção dos materiais de emprego militar. Os militares consultados não negam a colaboração e troca de ideias com civis nos Estudos e Planejamentos dos Assuntos de Defesa, desde que parta de conhecimentos mínimos do assunto. Eles consideram isso necessário, com base no dito romano: "SI VIS PACEM, PARA BELLUM" (Se queres paz, prepara-te para a guerra).