O historiador e estudioso das Forças Armadas Manuel Domingos Neto participa de dois eventos na capital gaúcha, ambos tendo como temática questões militares. Nesta sexta-feira (6) ele debate com outros dois experts o tema "Defesa Nacional e Amizade com os Vizinhos" (no caso, referência a países limítrofes com o Brasil). Será no auditório da Faculdade de Economia da UFRGS, às 19h (entrada gratuita). Os outros convidados são os cientistas políticos Eduardo Svartman e Tatiana Vargas Maia. O debate é promovido, entre outros, pelo Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea).
Na segunda-feira (9), também às 19h, Domingos Neto lança um livro, O que fazer com o militar, no auditório do Sindicato dos Bancários (Rua General Câmara, 424). Ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed), o historiador é um homem de esquerda, que começou militando em agremiações clandestinas durante a ditadura militar e, já na democracia, se elegeu deputado federal pelo PCdoB (PI). Até pela afinidade ideológica, convidou como debatedor para o lançamento de sua obra em Porto Alegre o ex-deputado José Genoino (PT-SP), que assessorou ministros da Defesa.
Os que comparecerem nos eventos terão oportunidade de ouvir do próprio Domingos Neto algumas opiniões pouco ortodoxas em relação a questões militares. Alguns exemplos de ideias, pinçadas do livro O que fazer com o militar:
- Combate ao "inimigo interno": Domingos acha que essa ideia precisa acabar, porque alimenta o transtorno de personalidade funcional do militar e do policial. "Quando o policial age como militar e o militar como policial, a sociedade fica indefesa e o potencial agressor estrangeiro, beneficiado. A noção de 'inimigo interno' pressupõe a guerra civil permanente. Entre inimigos não há generosidade, mas ódio cego. Admitir a existência desse 'inimigo' é excluir propensões à tolerância e ao convencimento, fundamentos da comunidade nacional".
- Defesa deve estar a cargo de um civil: o especialista acha que o militar não pode chefiar a pasta da Defesa. Primeiro, porque as forças de terra, ar e mar não se entendem quanto aos seus papéis, o que se revela oneroso: enseja sobreposição de estruturas, em particular no ensino, pesquisa, assistência médica e produção de armas e equipamentos. Além disso, em mãos castrenses, a formulação da Defesa Nacional corre o risco de ter pouco pluralismo político, pela coesão ideológica do pensamento dos militares. "A unidade doutrinária é necessidade para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, mas a unidade ideológica deixa o militar em confronto com a sociedade, cuja coesão passa pelo embate de ideias", resume o estudioso. A decisão sobre gastos deve ser de um político, resume Domingos, porque ele pode deliberar melhor sobre gastos militares, sem pressão dos quartéis.
- Bloco sul-americano de defesa: Domingos considera que o Brasil pode liderar um sólido bloco capaz de impor respeito no tabuleiro internacional, a partir de uma integração sul-americana. Ele lamenta que a Política Nacional de Defesa, em análise no Congresso, "priorize alianças estratégicas com potências imperialistas" (leia-se, os Estados Unidos, no entender do estudioso). Ele considera que o Brasil poderia ampliar o leque de cooperação no campo bélico com outras nações. É um dos pontos polêmicos do livro e se choca com a doutrina militar padrão nas nossas Forças Armadas, alinhada a parcerias com países do Ocidente e muito entrosada com os norte-americanos.
- Supremacia tecnológica gera menos necessidade de tropas: Domingos argumenta que as dimensões territoriais do Brasil, o tamanho de sua população e de seu PIB não são motivos para ter umas Forças Armadas gigantes. "A capacidade de uma corporação militar pode ser inversa ao seu tamanho. Diante de mísseis hipersônicos e drones furtivos, pouco valem homens preparados para a luta corpo-a-corpo", resume o estudioso. Ele considera que o monitoramento de potenciais ofensores e o uso da aviação de combate e de mísseis de grande alcance e velocidade são mais apropriados do que o deslocamento rápido de tropas diante de uma ocupação territorial difícil de imaginar, "por supérflua e desarrazoada". Em suma: melhor tropas enxutas e maior poderio tecnológico.
É provável que muita gente discorde, a fundo, do que Domingos Neto escreve. Mas é importante existir esse contraponto e esse debate.