Deu a lógica. Após ser acusado de envolvimento nos distúrbios de 8 de janeiro que resultaram em tentativa de derrubar o governo e depredação do Senado Federal, o paulista Aécio Lúcio Costa Pereira, 52 anos, foi sentenciado a 17 anos de prisão. A sentença foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por placar elástico: nove votos a dois. Foi o primeiro julgamento dentre os 1.365 réus pelas manifestações antidemocráticas ocorridas em Brasília. Na ocasião, prédios dos três poderes foram danificados e queimados por milhares de manifestantes descontentes com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência da República. A previsão é que outros três acusados sejam julgados a seguir.
O condenado, Aécio, é morador de Diadema (SP) e está preso desde 8 de janeiro. Parece ter sido escolhido como caso exemplar. Pesam contra ele todas as acusações feitas contra os manifestantes mais violentos a agir naquela data. Funcionário público, ele foi surpreendido em diversas imagens subindo em mesas do Senado, invadido por ele e por um bando de depredadores.
Houve inclusive autoincriminação, como salientou o ministro Luís Roberto Barroso. Em vídeo gravado pelo próprio Aécio, ele afirma que iria defecar no plenário do Senado. Ele até filmou a si mesmo enquanto transitava pelos salões depredados do Senado. Inclusive sentado na cadeira do presidente da Casa Legislativa. O réu fazia parte de um grupo intitulado "Patriotas" e responde a inquérito por ameaça de morte contra vizinhos, durante uma discussão pré-eleições. O subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, justificou por que pediu a condenação do acusado:
- O grupo do qual fazia parte Aécio quebrou vidraças, espelhos, portas de vidro, móveis, lixeiras, computadores, totens informativos, obras de arte, pórticos, câmeras de circuito fechado de TV, carpetes, equipamentos de segurança e um veículo Jeep Compass, acessando e depredando espaços da Chapelaria, do Salão Negro, das Cúpulas, do museu, móveis históricos e a queimar o tapete do salão verde da Câmara dos Deputados, empregando substância inflamável - relatou o procurador.
O advogado de Aécio, Sebastião Coelho (que é desembargador federal aposentado), fez três linhas de defesa. Primeiro, disse que não há legitimidade do STF para julgar seu cliente (considera que o Supremo só poderia julgar pessoas com foro especial, o que não é o caso dos militantes presos durante a baderna de 8 de janeiro). Depois disse que Alexandre de Moraes, relator do julgamento, é suspeito para atuar no caso. Por fim, conclamou inocência do cliente e ainda afirmou que os ministros do Supremo são "as pessoas mais odiadas no país":
- Agora oferecem que os réus admitam crimes que não cometeram, para suspender o processo. Eu jamais confessaria algo que não fiz. A menos que sob tortura - acrescentou Coelho.
Primeiro a votar, o relator Alexandre de Moraes justificou a manutenção dos processos no STF pelo fato de alguns instigadores e financiadores dos movimentos golpistas terem mandado político e, portanto, foro especial.
- Às vezes, o terraplanismo e o negacionismo obscuro de algumas pessoas faz parecer que no dia 8 de janeiro tivemos um domingo no parque - ironizou Moraes, antes de pedir a condenação do réu em todos os crimes a ele atribuídos e "que foram multitudinários, coletivos".
Moraes pediu condenação do réu em 17 anos (15 anos de reclusão e o restante, de detenção), a ser cumprida inicialmente em regime fechado. Ele ainda sugere indenização por danos coletivos em valor correspondente ao dobro do que foi danificado (até o momento foram estimados em R$ 30 milhões, a serem ressarcidos pelos vândalos).
O voto de Moraes trouxe também uma interpretação que pode resultar na aceleração dos próximos julgamentos. Ele disse que os crimes do 8 de janeiro independem da conduta individual: a multidão responde pelo resultado. Com isso, fica aberta a possibilidade de que os votos dos ministros se repitam em relação aos demais acusados de atos violentos. Inclusive com votação virtual, sem necessidade de presença em plenário. Do contrário, os julgamentos podem levar meses, até anos.
Moraes foi apoiado integralmente no voto pelos ministros Edson Fachin, Luis Fux, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. E, parcialmente, por outros magistrados, que apenas divergiram no tamanho das penas. Cristiano Zanin sugeriu 15 anos de penas totais, e Luís Roberto Barroso sugeriu 11 anos e meio de penas totais.
As discordâncias de mérito em relação ao relator vieram de ministros que foram escolhidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Kassio Nunes Marques argumentou que não houve tentativa de golpe de Estado por parte do réu, mas admite que ele cometeu dano qualificado, com deterioração do patrimônio público. A pena sugerida por ele foi de dois anos e seis meses de prisão em regime aberto (com os oito meses já passados na prisão, abatidos da pena). Já André Mendonça, apesar de considerar inapropriado o STF julgar os réus, votou por sentenciar o acusado por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e por dano, com pena de oito anos de reclusão.