A vantagem de ser veterano na lida é poder usar frases do tipo "lembro como se fosse hoje". Pois é isso que me vem à cabeça quando vejo a Brigada Militar se retirar da maior prisão do Rio Grande do Sul, a Cadeia Pública de Porto Alegre, muito mais conhecida como Presídio Central. A memória me faz recordar aquele 27 de fevereiro de 1995, que fez o governador Antônio Britto chamar os brigadianos para controlar as maiores e piores (em termos de risco) penitenciárias do Estado.
Era domingo de Carnaval e o ramal da editoria de Polícia em Zero Hora tocou. Alguém avisava que dezenas de presos tinham derrubado um muro e começavam a escapar do Presídio Central, por um buraco. A chefia mandou o repórter Solano Nascimento checar, e eu fui para lá em seguida. Estava comigo o repórter fotográfico Mário Brasil.
Ao avançar pelas curvas da rua estreita que leva ao presídio já dava para prenunciar o caos. Dezenas de viaturas jaziam abandonadas na via, algumas de portas abertas, sinal de que os policiais deixaram as caminhonetes às pressas para perseguir os fugitivos.
Nos fundos da prisão era possível enxergar o cenário da fuga. Pontos escuros indicavam onde apenados subiam o morro em desespero, com agentes no seu encalço — pelas fardas, vimos que eram PMs. Passado o instante de surpresa, Mário e eu seguimos um grupo de agentes penitenciários (em trajes civis), policiais civis e militares, que tratavam de trilhar o Morro da Polícia, situado nos fundos do Presídio Central e um dos mais conhecidos de Porto Alegre.
É uma subida íngreme, repleta de macegas e rochas isoladas. Naquela tarde quente de verão, parecia um formigueiro humano. Grupos de policiais, lado a lado, tentavam localizar os fugitivos. Já se sabia que 45 presos tinham escapado por um buraco ou mesmo escalando o muro com as jiboias (cordas feitas com lençóis amarrados). Subimos junto com os agentes. O cuidado era intenso. Vez que outra se ouvia um tiro. Eram agentes, que tentavam parar os fujões na base de disparos de alerta, para o alto.
Nas buscas, testemunhamos um preso, encurralado embaixo de uma casa, ser dominado na ponta do fuzil por agentes e PMs. Mãos para cima, arma na cabeça. A foto do Mário ganhou capa e foi premiada ao final do ano.
Os apenados não reagiram com violência. Isso porque fugiram sem portar arma de fogo. Era uma tentativa de liberdade, não era uma rebelião. Felizmente.
Era um diferencial importante. O Central tinha um histórico de rebeliões, algumas sangrentas. Entre 1987 e 1994, pelo menos três episódios com tomadas de reféns aconteceram em prisões gaúchas, seguidos de fuga dos rebelados. Cobri os três, por Zero Hora. Um deles, em 1994, foi marcado por várias mortes ao longo da fuga alucinada de Dilonei Melara e seus comparsas pelas ruas da Capital, culminando com manutenção de hóspedes em cativeiro num dos hotéis mais chiques de Porto Alegre, o Plaza San Rafael.
Foram oito anos de tumultos no sistema penitenciário, até que as mortes e correrias de presos levaram o governo a uma intervenção. Meses após a fuga histórica de 1995, a BM assumiu a administração não apenas do Presídio Central, mas de todas as prisões do complexo de Charqueadas. Deu certo. As fugas praticamente cessaram.
É injusto culpar os servidores penitenciários pelo caos anterior. Eles eram poucos, para conter uma multidão de presos (média era de 160 apenados para cada agente penal). Usavam revólveres. Impossível conter uma massa de criminosos, nesses parâmetros, quando decidem "virar a cadeia" (se rebelar, no jargão policial).
Os agentes agora voltam a assumir o controle das cadeias. O presidente do Sindicato da Polícia Penal-RS (Sindppen), Saulo Felipe Basso dos Santos, comenta: o governo não pode cometer os mesmos erros das décadas de 1980 e 1990. É preciso nomear cerca de 2,7 mil policiais penais que passaram em concurso, por exemplo. Fica aí o alerta. No mais, é saudar a volta à normalidade das funções na segurança.