Meu colega e amigo Lauro Alves passou a madrugada insone, ouvindo rádios do mundo inteiro, especialmente da Rússia. Como militar reformado e radioamador, tem especial interesse sobre cenários bélicos. E a questão russa entrou numa espiral onde tudo pode acontecer, esta semana. Não bastasse uma guerra desgastante com a vizinha Ucrânia, que mandou ocupar, o neoczar russo Vladimir Putin se vê às voltas agora com uma rebelião militar interna. A maior ameaça ao seu governo desde que assumiu o poder, em 1999 (alternando os cargos de presidente e primeiro-ministro, desde então).
A contestação armada vem do chefe do grupo de mercenários Wagner, Yevgeny Prigozhin, um ex-vendedor de cachorro-quente, lutador e encrenqueiro. Ele esteve preso por anos na era pós-soviética, mas com tino comercial, saiu dos lanches para restaurantes, ficou milionário, fundou uma milícia privada e se habilitou a fazer o jogo sujo para o Kremlin. Leia-se: guerras por procuração na África e no Oriente Médio.
Uma mescla de experientes veteranos militares (estilo legião estrangeira) com prisioneiros que lutam mediante promessa de liberdade, o Wagner, além de atuar na Ucrânia, ajudou na luta contra grupos muçulmanos na Síria. E hoje age em apoio a rebeldes no Sudão (aliás, situação muito semelhante à da Rússia, onde uma milícia se rebelou contra o governo que ajudou a entronizar).
Prigozhin jura que não quer o lugar de Putin, mas apenas retirar do cargo o ministro da Defesa e outros militares que considera frouxos – e responsáveis pelas dificuldades russas na guerra contra a Ucrânia. Feito um legionário romano, o miliciano marcha por cidades fronteiriças, arrebatando admiradores e gerando temores nos civis. Nos próximos dias se saberá qual seu destino. É importante lembrar que Hitler também cultivava uma milícia privada formada por admiradores, os S.A. Quando conseguiu apoio total das Forças Armadas, o ditador nazista decidiu desmobilizar esses aliados fanáticos, em 1934. O que resistiram foram assassinados, num episódio chamado de A Noite das Longas Facas. O expurgo consolidou o poder do Führer.
Quais os cenários possíveis? Enxergo três, no momento:
1 - Putin cede à pressão do chefe do Wagner e demite a cúpula militar russa. Poderia colocar o próprio Prigozhin como ministro da Defesa, já que o chefe miliciano foi responsável por uma das maiores vitórias russas na guerra, a tomada da cidade estratégica de Bakhmut, após meses de combates. Mas é pouco provável que essa ascensão do chefe do Grupo Wagner se concretize. Putin estaria colocando uma cobra no palácio presidencial, capaz de envenená-lo.
2 – Prigozhin vai recebendo adesões de militares descontentes na marcha rumo a Moscou, derruba o governo e acaba com a guerra na Ucrânia. Ele tem apenas 26 mil combatentes (pouco mais de 2% das Forças Armadas russas), mas que impõem respeito interno na Rússia. Os integrantes do Wagner deixam de ser vistos como mercenários cruéis para virarem “combatentes da liberdade (já que derrubaram um tirano), negociam com a Europa uma saída honrosa para a Rússia, o fim das sanções e recebem o apoio dos oligarcas russos. A possibilidade é levantada por Kaiser Konrad, analista gaúcho de assuntos militares.
3 – Prigozhin está blefando, suas tropas são cercadas, ele é preso e sua fulminante carreira termina numa prisão – ou é morto. É uma possibilidade real, já que as autoridades abriram contra ele uma investigação por motim. E o próprio Putin deu um discurso neste sábado (24), chamando a rebelião do grupo Wagner de “facada nas costas”. Considero esse o cenário mais provável, mas só o tempo dirá. Afinal, dizem que nem mesmo estudiosos russos conseguem entender direito a alma russa.