O presidente russo, Vladimir Putin, prometeu, neste sábado (24), punir a "traição" do líder do grupo paramilitar Wagner, cuja rebelião contra o comando militar de Moscou representa uma "ameaça mortal" e o risco de uma "guerra civil" para o país em pleno conflito com a Ucrânia.
Vestindo terno e gravata pretos, com semblante sério e tom solene, o presidente russo se dirigiu, sem nomeá-lo explicitamente, ao homem que o desafia, Yevgueni Prigozhin.
— É uma punhalada pelas costas para o nosso país e o nosso povo — disse Putin em discurso à nação. — O que enfrentamos é exatamente uma traição. Uma traição provocada pela ambição desmedida e interesses pessoais — acrescentou.
Em mensagem de áudio, Prigozhin reagiu, afirmando que Putin "está profundamente equivocado" ao acusar a ele e seus combatentes de traição, descartando uma rendição.
— No que diz respeito à "traição da pátria", o presidente está profundamente equivocado. Nós somos patriotas — afirmou Prigozhin. — Ninguém planeja se render a pedido do presidente, dos serviços de segurança ou de quem quer que seja — complementou.
Anteriormente, o líder do grupo Wagner havia anunciado a ocupação do quartel-general do exército russo em Rostov, centro nevrálgico das operações na Ucrânia, e assegurou que controla várias instalações militares. No seu discurso, Putin afirmou que a situação em Rostov é "difícil".
Em resposta à rebelião, o Ministério Público da Rússia anunciou a abertura de uma investigação por "motim armado" conta o grupo paramilitar, cujo efetivo (de 25 mil combatentes, segundo Prigozhin) se insurgiu após acusar o exército russo de ter bombardeado suas bases.
As autoridades também reforçaram as medidas de segurança em Moscou, onde foi instaurado um "regime de operação antiterrorista", uma consequência direta da ameaça de Prigozhin. Em mensagem de áudio divulgada pelo Telegram, ele advertiu que suas forças irão "até o final" e vão "destruir tudo o que atravessar" seu caminho.
Segundo a agência de notícias estatal bielorrussa Belta, Putin falou por telefone, neste sábado, com seu contraparte bielorrusso, Alexander Lukashenko, um aliado próximo, para informá-lo "da situação na Rússia". As autoridades da ocupação russa nas regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk (leste), e de Zaporizhzhia e Kherson (sul) também expressaram que seus territórios estão "com o presidente" Putin.
Na Ucrânia, um assessor do presidente Volodimir Zelensky considerou que a rebelião do grupo Wagner "é só o começo" do que vai acontecer na Rússia. "A divisão entre as elites é evidente demais. Entrar em acordo e supor que está tudo acertado não vai funcionar", comentou Mikhailo Podoliak no Twitter.
Em um comunicado postado em uma rede social, Zelensky destacou que "a fragilidade da Rússia é evidente". Também "é evidente que a Ucrânia é capaz de proteger a Europa de uma contaminação do mal e do caos russos", escreveu.
"Prontos para morrer"
"Todos nós estamos prontos para morrer. Todos os 25 mil e depois mais 25 mil", reforçou Prigozhin em mensagem pelo Telegram. "Estamos morrendo pelo povo russo, que deve ser libertado de quem bombardeia a população civil".
À noite, ele anunciou ter cruzado a fronteira e entrado em Rostov. Também assegurou que suas tropas derrubaram um helicóptero russo que tinha acabado de "abrir fogo contra uma coluna civil".
O governador da região de Rostov pediu que a população evite "sair de casa, exceto por necessidade" e o de Lipetsk, 420 km ao sul de Moscou, anunciou "medidas de segurança reforçadas".
Em várias mensagens de áudio transmitidas na quinta-feira (22), o líder do grupo Wagner havia afirmado que bombardeios russos causaram um "grande número de vítimas" em suas fileiras.
— Executaram bombardeios, bombardeios com mísseis, contra nossas bases de retaguarda. Um grande número dos nossos combatentes morreu — disse, acusando o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, de ter ordenado estes ataques.
As acusações "não correspondem à realidade e são uma provocação", reagiu, em nota, o Ministério da Defesa. As forças de segurança russas (FSB) pediram que os combatentes do grupo Wagner detenham seu líder. Um influente general russo, Sergei Surovikin, instou os milicianos a renunciar à rebelião. Esta disputa deixou em evidência as tensões existentes dentro das forças mobilizadas no conflito ucraniano.
Ajudar até mesmo "o diabo"
Os governos de Estados Unidos, França e Alemanha informaram que monitoram com atenção o que está acontecendo na Rússia. A União Europeia "acompanha de perto a situação" e está "em contato com os dirigentes europeus e os parceiros do G7", afirmou neste sábado o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
O empresário opositor russo no exílio Mikhail Khodorkovski pediu que a população apoie a rebelião de Prigozhin, após assinalar que é importante apoiar "até mesmo o diabo" para enfrentar o Kremlin.
Horas antes do início desta crise, Prigozhin havia dito que o exército russo estava se "retirando" no leste e no sul da Ucrânia, contradizendo informações do Kremlin, segundo o qual a contraofensiva de Kiev está fracassando.
O Ministério da Defesa russo alertou que a Ucrânia está se preparando para atacar Bakhmut, no leste da Ucrânia, "aproveitando a provocação de Prigozhin".