Os brasileiros acompanharam no domingo (23), durante oito horas, a tensa negociação feita pela Polícia Federal para que o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) se entregasse. Por volta das 11h, o político carioca reagiu com lançamento de granadas e disparos de fuzil aos policiais que foram até a residência dele para prendê-lo, onde cumpria prisão domiciliar. A ordem para que ele voltasse a um presídio foi dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após o ex-parlamentar usar as redes sociais para proferir ofensas contra a ministra Carmen Lúcia, do Supremo.
Jefferson tinha um arsenal impressionante em casa (dezenas de armas) e só se rendeu às 19h, após intermediação do ministro da Justiça. A atitude do ex-deputado foi condenada pelos dois candidatos à Presidência da República, Jair Bolsonaro (PL) - de quem Jefferson é apoiador - e seu rival Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Jefferson, aliás, é reincidente em rebeldia contra autoridades. Ano passado, em vídeo distribuído a seguidores, ele sugere que sejam montadas milícias para espancar guardas de trânsito (azuizinhos) de Juiz de Fora (MG), por supostos abusos em multas. "Dar um pau neles, bater no joelho, cotovelo, ombro, para quebrar a articulação...e eles não vão voltar mais".
Voltando ao episódio do ataque aos agentes da PF, chama atenção o posicionamento do chefe do grupo de policiais federais que negociou a rendição de Jefferson. O agente ressalta que a equipe está ali para prender o ex-deputado, mas diz: "O que o senhor precisar, a gente vai fazer". O ex-deputado assegura que não atirou para matar, apesar de estar com os agentes na mira. O policial agradece e minimiza o episódio: "Os meninos estão bem, no hospital. Foi um machucado".
O vídeo com as frases amigáveis do policial em relação a Jefferson viralizou e pegou mal para muita gente, inclusive para alguns integrantes da PF. Afinal, o ex-deputado havia acabado de ferir dois agentes federais. É preciso fazer uma ressalva: em negociações que envolvem a vida e pessoas transtornadas, muitas vezes é preciso, sim, conciliar. Usar palavras afáveis, minimizar o efeito da prisão.
Pena que essa técnica não tenha sido aplicada durante a abordagem ao trabalhador rural Genivaldo de Jesus Santos, morto por policiais rodoviários federais em 25 de maio, na BR-101, no município de Umbaúba, Sergipe.
Genivaldo, 38 anos, foi detido pelos policiais porque tripulava uma moto sem capacete. Populares filmaram a abordagem. Ele conversa com os agentes, abre os braços para que o revistem, tenta sacar cartelas de um remédio controlado que usa e que resultou em sua aposentadoria por doença mental (recebia um salário mínimo do INSS).
Em algum momento, os agentes da PRF perdem o controle, agarram Genivaldo, derrubam ele e o algemam. Ato contínuo, o levam para o porta-malas da viatura policial. Tudo poderia ter terminado ali, mas há um requinte de crueldade: os agentes abrem um tubo de gás lacrimogêneo e jogam o conteúdo dentro do veículo, fechando todo o compartimento. Deu a lógica: Genivaldo morreu minutos depois, asfixiado. Deixou um filho de oito anos e uma viúva, sem pensão. Os policiais foram presos em outubro, por ordem judicial.
As abordagens ao ex-deputado e ao trabalhador rural aposentado são dois extremos. No caso de Jefferson, só falta o agente pedir licença para prender alguém que acabara de disparar contra seus colegas (algo que até pode ser tática para acalmar o ex-deputado aloprado). No caso de Genivaldo, câmara de gás para um homem que sequer reagiu à prisão. Retratos de um Brasil em que o status importa mais do que o crime cometido.