Os porto-alegrenses tiveram sua manhã de horror ao acordarem, nesta quarta-feira (27), sob impacto de um dos mais sangrentos crimes da história gaúcha. Um empresário matou quatro integrantes da própria família e depois se matou. Entre os mortos estão sua mulher, seu filho, sua mãe e sua sogra.
Ao ouvir a história, meu colega Jaime Silva lembrou logo de A Sangue Frio, o clássico livro de Truman Capote. Escrito em 1966, ele narra a história verídica de dois ex-presidiários, Perry Smith e Richard "Dick" Hickock, que traçaram um plano para roubar uma família evangélica do Kansas, os Clutters. Andarilhos, eles foram recebidos na casa e bem-tratados pela família, mas se enfureceram ao não encontrarem o que esperavam, um cofre cheio de dinheiro. Mataram todos e depois fugiram.
Capote usou técnicas de romance para descrever essa horrível história real. Entrevistou os dois matadores e inclusive acompanhou o enforcamento deles, determinado judicialmente via pena de morte.
A grande diferença em relação ao caso registrado agora em Porto Alegre é que o empresário não era um marginal. Estaria endividado, o que pode ajudar na cogitação de motivações para sua confusão emocional, mas jamais justificará, sequer explicará. Crimes em família despertam a atenção mais do que o usual justamente porque se situam além do limiar do compreensível. Como alguém pode se julgar dono de outros ao ponto de dispor de suas vidas?
Não tenho a mais remota explicação, só sei que cerca de um quarto dos homicídios no Rio Grande do Sul é movido por desavenças familiares (usualmente, marido ou ex que mata a companheira). São crimes conhecidos nos tribunais como passionais, expressão infeliz, porque paixão não combina com morte. As patrulhas Maria da Penha, da Brigada Militar, foram criadas para tentar inibir esses matadores em potencial.
Não esqueço um desses casos que cobri. Um comerciante de uma vila na Zona Norte descobriu que a mulher tinha se apaixonado por outro. Para se vingar, ele matou o filho e a filha que ambos tinham – e depois se matou. Deixou uma carta a culpando pelo destino escabroso que decidiu dar às crianças. Bizarro. Chocante. A chacina desta quarta-feira é outra que vai marcar a memória coletiva de uma comunidade já saturada por tragédias que têm o amor como desculpa, mas que na verdade refletem o horror de mentes atormentadas.