A primeira fase de uma guerra entre países costuma envolver militares, dos dois lados. Evita-se atingir civis, na medida do possível, até para tentar ganhar a opinião pública. É o duelo de forças armadas. No caso de Rússia x Ucrânia, obviamente desproporcionais. O orçamento de Defesa russo é 10 vezes maior que o ucraniano e, ainda por cima, de qualidade superior. Para piorar, os russos colocaram mais de 150 mil soldados em torno da Ucrânia antes de disparar o primeiro tiro. Falavam em adestramento, manobras conjuntas com países amigos (como Belarus). Era o preparo logístico para as batalhas que viriam, lógico.
O Ocidente ainda se iludiu de que poderia não haver guerra. Acenou com sanções. O presidente russo Vladimir Putin avançou, apesar das represálias anunciadas. No xadrez geopolítico, importa a ele garantir que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) recue de suas fronteiras. O povo russo que deixe de usar cartão de crédito internacional, ora...
Só que a resistência ucraniana tem sido maior que o esperado por Putin (embora ele não admita isso). Outro equívoco, também, pode ter sido avançar no inverno, quando as condições de progressão no leste europeu são terríveis, neve e lama por todo lado. Observar os fracassos históricos de Napoleão e Hitler no avanço contra a Rússia teria feito bem a Putin (como analisa um estudioso de geopolítica, o general da reserva brasileiro Sérgio Etchegoyen), mas sabe-se lá se o mandatário russo não decidiu agir por impulso, ao se sentir afrontado com a insistência da Ucrânia (vista por ele como província) em se alinhar ao Ocidente.
Nos primeiros dias, a Rússia pulverizou a força aérea ucraniana e aniquilou a maioria dos aeródromos. Basta olhar nos mapas de satélite do site FlightRadar24 para ver que, nos céus da Ucrânia, só aviões militares russos flanam. Algumas aeronaves russas foram derrubadas por mísseis terra-ar, mas sobram jatos aos russos.
Os russos também já dispararam mais de 600 mísseis em território ucraniano. Alegam que são ogivas teleguiadas, com sensores que as direcionam a alvos militares. Nem sempre. Desde o primeiro dia do conflito, 24 de fevereiro, que alguns prédios de civis são atingidos. Só que agora o número de cidadãos mortos em ataques indiscriminados aumentou. Pode ser erro, mas tudo indica que é estratégia. Basta lembrar que a Rússia realizou ataques assim na Chechênia (cuja capital, Grosny, foi bombardeada durante meses até ficar em ruínas, no início do primeiro governo de Putin, em 1999). E também na Síria, nas cidades controladas por rebeldes (a Rússia é fiel aliada do governo sírio).
Pois, além dos mísseis, a Rússia começou a fazer bombardeios sistemáticos de artilharia. Como o leitor já sabe, uma coluna de blindados com mais de 60 quilômetros de extensão foi postada nos arredores de Kiev, capital ucraniana. Não estão ali por acaso, mas para garantir o avanço de terreno, a ferro e fogo.
No fim de semana, fotógrafos da AFP e do New York Times registraram um bombardeio de artilharia que desmente a alegação russa de que só mira em alvos militares. Os repórteres aguardavam permissão para passar uma cerca de metal numa estrada na cidade de Irpin, próxima a Kiev (capital ucraniana), quando um projétil atingiu em cheio um guarda. Ao correr para fotografar, os jornalistas depararam com uma cena horrível: uma família destroçada, ao tentar fugir com malas pela rodovia, para um lugar mais seguro. Só o pai continuava vivo, embora ferido por estilhaços. Mãe, filho adolescente e uma filha de oito anos jaziam despedaçados. A mostrar a face horrenda da guerra.
Assim tem sido nas cidades sitiadas, como Karkiv e Mariupol (essa, sem luz, em pleno inverno). Bombas não diferenciam civis de militares, não custa lembrar. Talvez a intenção da cúpula militar russa seja essa mesma: impor o terror de Estado, até os ucranianos se renderem, sem concessões.