É raro, mas em alguns casos pessoas são presas, indiciadas, denunciadas e até condenadas por homicídio, mesmo que o corpo da vítima jamais apareça. É o que pode acontecer no episódio do menino Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, que está sumido desde julho em Imbé. O Ministério Público acaba de apresentar denúncia contra a mãe da criança – que confessou ter espancado o filho, dopado e jogado seu corpo no Rio Tramandaí - e a madrasta da criança, que não admite ter cometido o crime, mas contra a qual existem diversos indícios de maus-tratos infligidos ao guri. As duas estão presas.
Os norte-americanos costumavam dizer “No body, no crime”, em referência ao homicídio (sem corpo não há crime). Esse inclusive é o título de um dos maiores sucessos da cantora Taylor Swift. A ideia é que o corpo de delito (indício de homicídio) seria comprovado apenas com um cadáver. Só que isso caiu em desuso, tanto nos EUA quanto aqui.
Existem casos de crime sem corpo, sim. O mais notório de que lembro nesses 37 anos de profissão é o da morte da modelo Eliza Samudio, em 2010, assassinada pelo goleiro Bruno Fernandes, do Flamengo. O cadáver dela nunca apareceu, mas diversos testemunhos apontam que ela foi estrangulada e seu corpo, esquartejado e sepultado sob concreto. Ela teria sido morta após cobrar responsabilidades do atleta por um filho indesejado. O goleiro foi condenado e cumpriu pena, sobretudo com base em testemunhos.
O caso do menino Bruno Leal da Silva, nove anos, é outro que levou a indiciamento e denúncia. Ele também desapareceu em Imbé (como o menino Miguel), só que em 1999. Ele ia da praia de Imara, de bicicleta, para Atlântida Sul, apagar luzes de casas cuidadas por sua família. Nunca mais foi visto. A bicicleta foi encontrada à beira da estrada. A Polícia Civil prendeu um suspeito que teria dado pistas falsas a respeito do menino e omitido informações que sabia sobre o sumiço. Num carro desse homem, apreendido, foram encontradas manchas de sangue no porta-malas e marcas de tinta na lataria, sugerindo atropelamento. O DNA do sangue deu inconclusivo, mas a tinta se mostrou compatível com a da bicicleta. Outra hipótese é que a criança tenha sido raptada para magia negra.
O homem suspeito foi indiciado e denunciado por homicídio culposo e ocultação de cadáver. Mas a Justiça considerou que deveria pelo menos existir prova testemunhal e arquivou o caso.
Em 2018 uma jovem foi obrigada a cavar a própria cova. Depois, executada a tiros. Isso aconteceu em Porto Alegre e os assassinos não só filmaram o crime como o divulgaram em correntes de Whatasapp. Mas a Polícia Civil tinha três problemas: identificar a garota, localizar o corpo e comprovar quem a matou. Demorou um pouco, mas tudo isso foi feito, a partir do reconhecimento da vítima por parte de familiares. A morta era Paola Avaly Corrêa, 18 anos, que costumava ser relacionar com um traficante. Antes mesmo do corpo ser encontrado os policiais já sabiam quem ordenou as mortes e teriam concluído o caso dessa forma, com base no vídeo e em depoimentos. Mas o cadáver foi encontrado.
O fato é que condenações por crime sem corpo são exceção. Ao sumir com o morto, eliminam-se diversas provas. Mas a ciência avançou. Os exames de DNA e luminol estão aí para dificultar a ação dos assassinos, felizmente.