Fui contatado domingo (8) pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Em abordagem a um carro com licenciamento vencido, policiais prenderam em Alegrete um homem de 56 anos, foragido da Justiça. Na ocorrência, consta que ele trabalhava para o Detran e teve a prisão decretada há nove anos por ter furtado objetos de carros que estavam apreendidos num depósito da Avenida das Indústrias, na zona norte de Porto Alegre. Furtos comprovados mediante denúncia dos repórteres Trezzi, Amorim e Bernardi, acompanhada de fotos.
O desfecho leva a um misto de satisfação e decepção. Eu, o repórter fotográfico Ronaldo Bernardi e o Francisco Amorim (então repórter de ZH, hoje professor de Jornalismo) passamos vários dias de agosto de 2012 encarapitados num edifício próximo a esse depósito de veículos. Checávamos boatos de que os próprios funcionários furtavam peças dos carros ali recolhidos.
Numa manhã chuvosa e fria, a campana deu certo. Flagramos os servidores, com uniformes do Detran, retirando peças de quatro veículos. De dois deles, um Fiat Uno e um caminhão Volks, as imagens eram bem nítidas. Carregaram os tanques de gás do carro e o tacógrafo do caminhão.
O Uno foi retirado dias depois pelo dono. O carro não ligava, ele não entendia porque. Teve de rebocar o veículo até Canoas. A partir das placas, identificamos o proprietário, um mestre de obras. Ele achava que o pneu estepe e os tanques de gás tinham sido subtraídos pelos ladrões de rua que furtaram o automóvel. Ao ver as imagens dos funcionários do depósito retirando as peças, ele chorou.
O caminhão tinha sido apreendido pela Polícia Civil, por suspeita de ser furtado. Fomos com policiais até o depósito. Eles constataram o sumiço do tacógrafo e indiciaram, com base nas nossas fotos e nas peças desaparecidas, três funcionários por peculato (crime praticado por funcionário público; no caso, furto). Eles não eram servidores estatais de carreira, mas estavam a serviço do Estado, credenciados.
Vistoria realizada pelo Detran após a nossa reportagem constatou sumiço de peças em 43 veículos (2,5% dos 1,6 mil veículos ali abrigados. O depósito foi fechado pelas autoridades e os funcionários, descredenciados.
Testemunhamos na Polícia e na Justiça contra o trio. Soube depois que foram indiciados, denunciados e condenados a penas de até quatro anos de reclusão. Isso não dá cadeia no Brasil, no máximo um regime semiaberto (trabalhar fora e pernoitar num albergue prisional).
Acontece que o sujeito flagrado no domingo em Alegrete com o carro problemático (mais um!) jamais cumpriu a pena. Sumiu antes de ser recolhido ao sistema penal, por prisão decretada em 2018. A Justiça o alcançou nove anos depois. Tardou, mas não falhou.
O que desanima nisso tudo é o tempo que leva para a punição e o tamanho reduzido das penas nesse país, onde subtrair o bem alheio compensa. Só fica preso mesmo quem suja as mãos de sangue, age com violência. Menos mal que as polícias cumpriram sua parte.