A tragédia de segunda-feira (23) em Torres teria outra narrativa se não fosse a presença de espírito de um cidadão, que filmou todo o episódio que culminou na morte do policial rodoviário federal aposentado Fábio Zortea, 59 anos. Ele foi espancado e levou tiros de colegas da Brigada Militar ao se revoltar com a abordagem dos policiais a dois de seus filhos.
A narrativa dos PMs é de que, descontrolado ao ver os filhos sendo detidos, Zortea tentou tirar a arma de um deles e, por isso, foi baleado. Só que as imagens mostram muito mais do que isso.
Os PMs não se limitam a prender dois homens que supostamente promoviam desordens (os filhos de Zortea, que se desentenderam com um vigilante). Os sujeitos são espancados com cassetetes, várias vezes. Um deles leva um mata-leão (é agarrado pelo pescoço) para ser dominado.
Os PMs continuam a bater em um dos filhos de Zortea, até que o aposentado desce do prédio para reclamar contra o espancamento. O ex-agenteda PRF grita “sou polícia também”, na tentativa de demover os brigadianos, mas não é atendido. Aí se agarra nos PMs, talvez para realmente tentar tirar a arma de um dos policiais. Consegue pegar um cassetete e tenta devolver as pancadas recebidas. Aí leva dois tiros. Cai no chão, agonizante.
Um dos filhos de Zortea também leva um tiro,em uma das pernas, ao tentar reagir à abordagem. Os cinco PMs resolvem também bater no outro filho de Zortea, que recebe várias pauladas, antes de ser preso. Depois de estar caído, leva várias cacetadas e um derradeiro chute, de uma brigadiana.
Choca ao ver que, mesmo baleadas, as vítimas recebem pauladas. Onde foram parar as técnicas de dominar sem ferir, treinadas em academia?
Caso já estivesse em vigor a intenção demonstrada pelo vice-governador Ranolfo Vieira Junior de que cada policial gaúcho use câmeras presas à roupa para documentar seu serviço, talvez o desfecho fosse diferente. Policiais serão mais cuidadosos ao saber que suas ações são filmadas. E a gravação serve também defender suas atitudes, quando são atacados.
O comandante da BM, coronel Vanius Santarosa, falou com o colunista e admite: o resultado da ocorrência não é aceitável, sob o ponto de vista técnico. Tanto que todos os policiais foram afastados e estão à disposição da Justiça.
- Um pai de família foi morto, o filho dele foi ferido, me solidarizo com a dor daquela família.
O comandante, porém, ressalta que o desfecho seria outro se os abordados não tivessem reagido e tentado tomar os cassetetes dos PMs. Santarosa diz que a BM está em processo licitatório para tentar que as guarnições de patrulha tenham armas elétricas, de contenção e não letais, instrumento hoje disponíveis apenas em alguns batalhões.