Alguns fenômenos chamam a atenção desde que o governo criou o auxílio emergencial, destinado a ajudar pessoas de baixo poder aquisitivo que ficaram mais carentes ainda em decorrência da pandemia. O primeiro é que muitos candidatos ao benefício, por não dominarem ferramentas virtuais ou até por questões burocráticas no preenchimento dos requisitos, não conseguem receber o dinheiro. Um segundo sintoma é a profusão de fraudes ou falsas informações que atingem o programa governamental, algo que já foi objeto de diversas reportagens de GZH no último ano. Nada a espantar, num Brasil sempre suscetível a espertezas com verbas públicas.
Mas um amigo me chama a atenção para um terceiro fenômeno derivado do auxílio emergencial: aqueles que não precisam do dinheiro, recebem e não conseguem devolvê-lo. Aconteceu com ele, um cidadão de Passo Fundo, na faixa dos 35 anos. Ele recebeu diversas parcelas dos R$ 600 ano passado, porque estava sem serviço. Aí conseguiu um bom emprego e, cidadão exemplar que é, não pediu mais o benefício governamental.
Mas, se esse passo-fundense desistiu do benefício, o governo não entendeu bem isso. Em março de 2021, para surpresa dele, meu amigo recebeu a parcela de R$ 300, sem solicitá-lo. Tudo indica que o banco de dados governamental interpretou que ele continuava precisando do dinheiro – mesmo sem ele ter solicitado continuidade, o que é estranho. “Soa como se existisse verba sobrando nos cofres públicos, mas resolvi devolver”.
Só que ele não consegue devolver o dinheiro. A primeira tentativa foi feita em 7 de abril, informando pelo site do programa que não precisa do benefício. A resposta veio dia 12 daquele mês, sugerindo devolução, via um link. Ele tentou emitir uma Guia de Pagamento, mas não foi aceita pelo site. Reclamou à ouvidoria do Ministério da Cidadania. Aí se seguiram trocas de mensagens ao longo de um mês: o cidadão tentando devolver, o ministério dizendo que analisaria a queixa. Até na Caixa Econômica Federal (CEF) o meu amigo foi, mas informaram que o dinheiro, apesar de depositado numa conta deles, é do ministério e não podem mexer nele.
A última mensagem no site do programa, recebida pelo passo-fundense, é que a ferramenta para devolução do dinheiro está "recebendo os ajustes necessários".
Questionei ontem o Ministério da Cidadania a respeito. A assessoria de imprensa informou que será disponibilizada, nos próximos dias, “...a ferramenta para devolução voluntária dos recursos referentes ao Auxílio Emergencial em 2021 recebidos em desacordo com os critérios de elegibilidade definidos” pelo programa.
O Ministério da Cidadania lembra ainda que “os cidadãos que receberam o benefício fora dos critérios legais também podem optar por não movimentar os valores disponibilizados”. No prazo de 120 dias, eles retornarão aos cofres da União.
Para o meu amigo, OK. E para os que tentam receber o auxílio e não conseguem, como fica? Dilemas de um país estranho, muito estranho.