Pode parecer coincidência, mas tudo indica que não é. O número de cabeças cortadas pelo crime organizado no Rio Grande do Sul começou a ser reduzido depois que, em 2017, chefes de facções foram transferidos para outras regiões do país.
Lógico que a diminuição do ritmo de decapitações, uma chaga que o território gaúcho não vivenciava desde as sangrentas revoluções do século XIX, passa também por outros fatores: melhor equipagem e adoções de estratégias de inteligência por parte das polícias, além de um acordo tácito de cessar-fogo entre algumas facções criminosas. O resultado, de quebra, embute também uma saudável diminuição no número de homicídios em geral.
Mas por que remoções de chefes criminosos funcionam? Porque, como todos estamos cansados de saber, os presídios comuns há muito são o QG do crime organizado — no RS e nos demais Estados brasileiros. Por trás das grades, de forma inexplicável, eles conseguem por celular teleguiar complexos assaltos a carros-fortes, importações de toneladas de drogas, sequestros de rivais e assassinato de delatores.
O curioso nisso tudo é que bloqueadores de celular costumam funcionar para agentes da lei: basta entrar num presídio que o sinal começa a sumir. Como essa técnica não funciona para bandidos? Mistérios que há muito esperamos que sejam desvendados pelas autoridades.
Já com relação aos celulares, não existem muitas dúvidas sobre como entram nas prisões. Ingressam via lançamento por cima de muros, jogados através de grades, introduzidos por servidores corruptos ou escondidos nas partes íntimas de visitantes.
Dias atrás policiais civis de Rio Grande interceptaram conversas em que Lucien de Souza Oliveira, o Doutor, chefe de uma quadrilha que atua em todo o Sul do RS, comandava desde Charqueadas assaltos sangrentos e venda de armas.
É por isso que aquilo que o bandido mais teme é ficar incomunicável. Por isso, as transferências de presos, como as feitas nesta terça-feira (3) e em 2017.
Trancafiado num presídio federal, longe de seu Estado natal, o chefe criminoso perde seu poder territorial. Tudo fica mais difícil: receber visitas que possam passar recados, usar celular, ordenar represálias.
Aliás, penitenciária de segurança máxima é dureza: nem visitas os presos podem receber, em muitos casos, e os bloqueadores telefônicos, vejam só, funcionam. Luís Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar — emblemático chefe do Comando Vermelho — que o diga: as últimas comunicações interceptadas dele foram bilhetes, porque ficou sem celular. Na impossibilidade de continuar gerenciando o tráfico, virou pastor e se diz regenerado.
— Com essa operação, o RS não vai admitir que os que estão na cadeia promovam ações criminosas — resume o secretário estadual da Segurança Pública e vice-governador, Ranolfo Vieira Junior.
Otimista, Ranolfo. Nem tudo está resolvido. As facções gaúchas hoje se comunicam com cartéis nacionais. Os bandidos fazem isso por dois motivos: conseguir proteção, caso sejam presos em outros Estados, e também por logística no compartilhamento de compras de armas e drogas. Bandidos gaúchos também já fazem assaltos e tráfico em outros países, como o Uruguai e o Paraguai.
Mas não resta dúvida de que as remoções enfraquecem o crime.