A cúpula militar apoia a postura de Jair Bolsonaro na linha de afrouxar a quarentena e retomar o processo produtivo no país em meio à pandemia de coronavírus? GaúchaZH ouviu generais, da ativa e da reserva. E a resposta é sim, mas com reticências.
Doutrinados na ideia de um esforço de guerra, acreditam que a saída natural de uma epidemia é isolar os idosos e grupos de risco. Com relação aos saudáveis, apenas recomendam cuidados básicos: luvas, máscaras, evitar aglomerações. Essa postura é o chamado isolamento vertical, em que apenas os mais vulneráveis precisariam ficar em casa.
Apavora os fardados a ideia de caos instalado na sociedade, multidões sem emprego, peregrinando em busca de comida, brasileiros acossando outros brasileiros. Criminalidade campeando pelas ruas. Neste ponto, concordam com o presidente de que é preciso manter parte da economia aquecida para preservação de empregos.
O que todos os quatro consultados — todos ex-ministros ou integrantes do ranking mais estrelado das Forças Armadas – discordam é quanto à forma como Jair Bolsonaro tenta vender a ideia para a população. Chamar a pandemia de "resfriadinho" foi o pior: "uma bravata sem fundamento", define um general. Mas não só isso.
Essa é a missão mais importante de nossa geração.
EDSON PUJOL
General e Comandante do Exército
A briga escancarada e cotidiana entre Bolsonaro e ex-aliados, como os governadores de Goiás, São Paulo e Rio, é definida como "tiro no pé" pelos generais entrevistados. Ao invés de fazer política, os dois lados partem para ruptura ideológica ou disputa com vistas a eleições futuras, resume um dos militares. A mínima discordância vira palco de gritaria e sinais contraditórios à população por parte de quem deveria liderá-la.
Agrada mais aos generais consultados a definição, sintética, do Comandante do Exército com relação à pandemia.
— Essa é a missão mais importante de nossa geração e um dos mais importantes exemplos que deixaremos para gerações futuras — declarou o general Edson Pujol, em vídeo com mais de 2 milhões de visualizações nas redes.
Contrastando com a definição de "resfriadinho" dada por Bolsonaro, o comando do Exército determinou aulas online nas escolas militares e colocou tropas nas ruas de Vitória (ES) para ajudar a prefeitura a manter as pessoas em casa.
Um ex-ministro, general de quatro estrelas, analisa o momento como "sombrio" e diz que jamais algum presidente vivo teve de lidar com situação tão grave no país, similar à de uma guerra — algo a que o Brasil não está acostumado. Doutor em geopolítica e estratégia, esse militar ensaia o possível cenário da batalha a ser travada:
— Tudo indica que é um ambiente em que milhares de vidas serão perdidas, não há ganhos. Cabe ao presidente tomar decisões que levem a menos perdas possíveis.
Este analista discorda um pouco da dicotomia estabelecida no país: ou todo mundo em casa ou retomada das atividades econômicas, só com idosos em casa. Nada é binário, diz ele. O general acredita, por exemplo, que regiões e municípios pouco atingidos pelo vírus podem ter maior número de atividades permitidas. Uma cidade em região remota, com pouquíssimos casos de coronavírus, tem condições de normalizar atividades, deixando o isolamento para os grupos de risco. Já cidades de médio e grande porte precisam manter os serviços essenciais e abrir gradualmente para outros setores: indústrias num momento (monitorando possíveis contaminações), comércio em outro. Quanto à agricultura, setor fundamental mas pouco populoso, esse militar acredita que é possível retomar logo a normalidade.
— Creio que o presidente pensa algo do gênero, mas perde tempo fazendo piadas sobre o vírus ou brigando com quem discorda dele. Ele precisa entender que discordar não é enfrentar. Muito menos num momento que exige união — sintetiza o general.