O projeto de lei aprovado nesta terça-feira (12) na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul que versa sobre a temática da irrigação conversa com um anseio antigo do setor produtivo, reforçado pelo histórico recente de perdas no Estado. A reincidência de estiagens reacendeu a cobrança por um avanço na cobertura dessa ferramenta capaz de mitigar danos em anos de tempo seco e de potencializar resultados em anos normais.
De autoria do deputado Delegado Zucco, o texto aprovado vai agora à sanção do governador Eduardo Leite. Em linhas gerais, ao conceituar obras de infraestrutura para irrigação como de utilidade pública e as áreas a serem irrigadas como de interesse social, o que permite que haja intervenção nas Áreas de Preservação Permanente (APP) nesses casos, para a construção de barragens e açudes. O atual regramento veda essa possibilidade e é apontado como entrave para a ampliação do uso do sistema – dado da Radiografia Agropecuária do RS de 2023 mostra que apenas 2,8% da área de soja é irrigada; no milho, o percentual é de 13,7%.
Embora tenha evoluído, é pouco para um Estado que tem sua economia baseada na agropecuária e que de 1995 a 2019 contabilizou R$ 41,25 bilhões em perdas decorrentes de desastres naturais, dado apresentado pelo próprio governo gaúcho quando da apresentação da primeira etapa do programa Supera Estiagem.
Zucco, que é natural de Alegrete, na Fronteira Oeste, diz que o RS chega com atraso a essa legislação. Cita Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso e São Paulo como unidades da federação onde a possibilidade de intervenção em APP para irrigação já existe.
— Isso vai beneficiar principalmente o pequeno e o médio produtor. Nas grandes propriedades, existe a possibilidade de fazer em outro local, sem necessidade de intervenção em APP — explica o parlamentar, que apresentou a proposta após reunião com produtores em março do ano passado.
Antes da aprovação no plenário, por 35 votos a favor e 13 contra, Leite falou aos jornalistas sobre o texto, destacando, conforme o repórter Gabriel Jacobsen, que propostas desse tipo devem ser construídas com a anuência do Ministério Público, para evitar que sejam inviabilizadas.
À coluna, o procurador-geral de Justiça do Estado, Alexandre Saltz disse que aguarda os próximos passos da tramitação. Pontua que trechos do texto a que o MP teve acesso no ano passado "tinham traços de inconstitucionalidade":
— Vamos ver o texto da lei (aprovado), se haverá sanção e, depois, sendo o caso, se é constitucional.
Zucco contrapõe que emendas apresentadas foram retiradas. Ele acrescenta que "as compensações (necessárias nos casos de intervenção) continuam existindo, não foram retiradas.
— É um dia histórico para o RS, um momento de maturidade. Estamos buscando a solução para a causa do problema — avalia Domingos Velho Lopes, vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul) e coordenador da Comissão de Meio Ambiente da entidade.
Do lado dos questionamentos ao texto aprovado está a preocupação com pontos como levantado pelo mestre em Ecologia Rodrigo Dutra, da Coalização Pelo Pampa. Ele avalia que há uma generalização do que se conceitua como utilidade pública e interesse social. E entende que faltam compensações claras na legislação:
— Faltam compensações ambientais e recuperação de passivos via Programa de Regularização Ambiental. E vai trazer insegurança jurídica, porque conceitos vão conflitar com a legislação federal.
A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), que em dezembro enviou nota técnica sobre o projeto aos parlamentares, manifestou-se em comunicado criticando a proposta e apontando riscos.
“O projeto de lei tem como finalidade única criar facilidades à autorização da supressão de vegetação nativa para a realização de obras em Áreas de Preservação Permanente (APP) para reservatórios de água e construção de barragens em cursos d’água", diz trecho.