Nota divulgada pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetag-RS) escancarou tensão entre os diferentes integrantes do setor neste momento de impactos previsíveis, mas ainda imensuráveis, do coronavírus na economia do país e do mundo. No centro do debate está o leite. Ou melhor, o valor do produto em seus diferentes níveis: ao produtor, à indústria e ao varejo. Terminando, claro, com o que o consumidor desembolsa.
No texto, sem meias palavras, a entidade se diz cansada de ver o agricultor, que continua produzindo e garantindo o abastecimento, sendo apontado “como vilão”.
“A renda está cada vez mais reduzida e, em muitos casos, negativa, visto que o preço pago ao produtor pelo litro de leite está estagnado”. O setor vive crise que, nos últimos quatro anos, encolheu quase 40% o número de produtores no Estado, por fatores como inviabilidade da atividade e redução no consumo. Provavelmente daí a preocupação com o tema preço.
Segundo Carlos Joel da Silva, presidente da entidade, o valor médio recebido é de R$ 1,25 por litro, semelhante ao de igual período do ano passado. Em contrapartida, pondera, o custo subiu, em média, 15%:
– Somado à redução de cerca de 20% da produção, estamos falando de renda 35% menor.
As indústrias costumam pagar um pouco acima do estabelecido pelo Conseleite (veja abaixo). Nos valores de referência, no entanto, percebe-se que neste ano o cenário se aproxima da estabilidade, ao passo que em 2019 era de alta. Nas gôndolas, a valorização se manteve, mas foi inferior a igual período do ano passado.
Para entender, é preciso olhar condições que habitualmente interferem no preço e ingredientes específicos deste começo de 2020. Entre os que se mantêm estão variação na produção (pico em agosto e setembro e queda em março e abril), clima, câmbio, consumo e poder de compra. O valor do longa vida começa a reagir após Carnaval e volta às aulas – férias têm queda de consumo.
Neste ano, somou-se a pandemia, que inicialmente aumentou muito a procura e deixou o leite longa vida mais caro. Cenário considerado passageiro, com o mercado de São Paulo apontando no momento recuos que deverão se refletir no Estado.
– O valor se estabilizou e daqui para a frente dependerá do consumo , que agora está fraco. O leite é produto muito sensível, sobe e baixa, porque tem vida curta – pondera Alexandre Guerra, presidente do Sindilat-RS.
O dirigente afirma que a valorização recente fez a indústria “conseguiu sair do prejuízo”. E lembra que, além do leite UHT, entram na composição do valor de referência para o produtor leite em pó, estável e queijos e derivados, com redução em meio às restrições da covid-19.
– Até este final de semana será o período de maior diferença. Semana que vem, só diminuirá. O mercado está muito recessivo e só vai piorar – acrescenta Antônio Longo, presidente da Associação Gaúcha de Supermercados.