Como era esperado, a resistência é grande à proposta do governo gaúcho de elevar a alíquota básica do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de 17% para 19,5%. O projeto está na Assembleia Legislativa e requer urgência para valer a partir de 2024. À Rádio Gaúcha, a secretária Estadual da Fazenda, Pricilla Santana, detalhou os motivos da decisão e reforçou a estimativa de perda de R$ 110 bilhões em 25 anos se o Estado não elevar o imposto e os demais o fizerem. Confira trechos da entrevista abaixo e ouça a íntegra no final da coluna.
Não tinha outra opção?
Analisamos várias possibilidades e vários cenários. O Estado vem de um histórico de restrição elevada nas despesas. Fez reforma da previdência, administrativa, reestruturou cargos, redefiniu modelos de contratados e cortou despesas das mais diversas. Olhar para a despesa é fundamental, mas temos o que chamamos de fadiga fiscal. Eu não consigo mais, sob pena de inviabilizar a continuidade do serviço público, sair cortando despesa. Foi cogitado redefinir o mapa de incentivos fiscais para reduzir a renúncia, mas isso traria um problema de competitividade muito grande ao Estado, afetaria cadeias já debilitadas. (Aumentar o ICMS) foi o que encontramos no momento, mas não significa que não vamos continuar estudando para identificar mais oportunidades de redução de despesa indiscriminadamente, desde que elas não impliquem na descontinuidade do serviço.
Se não passar na Assembleia, serão reduzidos benefícios e cortadas despesas. Quais?
Temos trabalhado com a Assembleia, nos colocando à disposição, mas ela tem toda a autonomia. Se ela optar por uma visão distinta, vamos voltar a estudar as nossas possibilidades. De antemão, digo que o governador nunca faria um corte linear e discriminatório, pois sabemos que tem incentivos que são fundamentais para manutenção de cadeia produtiva e emprego. Quando fazemos a avaliação, observamos o efeito multiplicador do incentivo. O valor agregado e a empregabilidade são elementos decisivos para decidir, como competitividade em relação aos Estados. Temos excesso de despesas obrigatórias, com pouca oportunidade de cortar. Um problema nacional.
A competitividade do Rio Grande do Sul não fica ameaçada por Santa Catarina não elevar o ICMS?
A decisão de investimento não guarda estrita relação com a alíquota modal do ICMS. Leva em consideração logística, custo, disponibilidade, infraestrutura e também a questão tributária. Para decidir entre investir no Rio Grande do Sul ou Santa Catarina, o que interessa é a alíquota efetiva praticada, que obtém e usufrui dos incentivos fiscais. O nosso esforço de alterar a modal é justamente para não mexer na efetiva tributária, que afeta a decisão de investimento. Temos mais de R$ 9 bilhões de incentivos concedidos para os mais diversos segmentos. O setor agrícola, por exemplo, tem incentivos e chegam a 0% de ICMS em alguns produtos. Produtos da cesta básica têm alíquota efetiva de 12% e não de 17%, ou 19,5% conforme a nossa proposta. Apenas 24% dos produtos em circulação pagariam alíquota de 19,5%.
E a opção de negociar com o Congresso para a divisão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ser calculada pela arrecadação passada e não pela de 2024 a 2028? A distribuição futura do tributo a ser criado pela reforma é um dos argumentos para a elevação agora do ICMS.
Tem sido o meu trabalho diuturno. Nesses últimos três meses, eu fui a cada um dos nossos senadores, às principais bancadas, na tentativa de formar esse convencimento. Não foi frutífero. Se mudar a data, com certeza muda essa corrida ao ouro, que é o que estamos enxergando agora. Preserva as competitividades já firmadas e não introduz uma distorção adicional. Eu e o governador Eduardo Leite conversamos com o relator, senador Eduardo Braga, e não conseguimos convencer. Se nossos parlamentares conseguirem, ficaremos muito agradecidos.
O que achou da nota do Ministério da Fazenda afirmando que o aumento é desnecessário, pois os Estados poderiam aumentar o imposto no futuro, caso considerem a arrecadação insuficiente?
Tenho que confessar que me surpreendeu muito a resposta: “Ah não, deixa para aumentar depois quando o IBS já tiver instalado". Como é que pode? Não faz sentido. Um aumento posterior significa uma alíquota ainda mais alta, porque eu vou ter um passivo muito maior a recuperar. Esperava que fossem um pouco mais solidários conosco: “É verdade, vocês têm um ponto mal resolvido, vamos buscar corrigir, mudando a base temporal”. Um dos objetivos da reforma é que não haveria elevação de carga tributária. Só que o combinado não foi entregue.
Outra justificativa do governo para aumentar ICMS é a redução feita por Bolsonaro. Mas combustíveis estão com valor fixo de imposto agora e energia e telecomunicações já teriam redução de alíquota em 2024 com o acordo fechado com o Supremo Tribunal Federal.
O negociado com o STF em relação às tarifas de telecom em energia valeria a partir de 2024, então permitiria ter uma programação de fluxo de caixa para enfrentar isso a partir do ano que vem. Foi precipitado em dois anos e perdemos R$ 5 bilhões em cada um. Vamos carregar o passivo de R$ 10 bilhões que deveríamos estar guardando como fundo de poupança.
Qual o prejuízo dos gaúchos se não aumentar, na visão do governo?
Os serviços públicos, nós vamos garantir a essencialidade, a continuidade. O grande prejuízo é o poder de transformar o Estado, que é fazer os investimentos, melhorando rodovias, o nosso porto, a infraestrutura. Se não aumentarmos agora e eles (os outros Estados) aumentarem, nós perdemos R$ 110 bilhões nos próximos 25 anos. É o período que vamos ter que retomar o pagamento na sua totalidade das dívidas para com a União, que hoje estão em R$ 92 bilhões. Só aí temos R$ 202 bilhões a comprimir das despesas do Estado nos próximos 25 anos.
* Produção de Vitor Netto
Ouça a entrevista completa:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Vitor Netto (vitor.netto@rdgaucha.com.br e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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