Pela primeira vez e em um fato relevante bombástico ao mercado financeiro, a Americanas admitiu que houve fraude no rombo contábil de R$ 20 bilhões que levou a empresa a entrar em uma recuperação judicial com dívidas superiores a R$ 40 bilhões. Trata-se de um relatório com dados preliminares de uma investigação. O texto aponta ainda "a participação na fraude" (escrito exatamente assim) do ex-CEO Miguel Gutierrez, dos ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e dos ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.
"Os documentos analisados indicam que as demonstrações financeiras da Companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas.", diz trecho, acrescentando que foram identificados os esforços dos então executivos de ocultar a situação patrimonial do mercado e do próprio conselho de administração.
O relatório, segundo a Americanas, está sendo construído por assessores jurídicos. Ele usa informações de investigações feitas por um comitê independentes nomeado pela empresa. Ele também busca detalhar como foi sendo construído o esquema que levou ao rombo financeiro.
"Foram identificados diversos contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (“VPC”), incentivos comerciais usualmente utilizados no setor de varejo, que teriam sido artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da Companhia como redutores de custo, mas sem efetiva contratação com fornecedores. Esses lançamentos, feitos durante um significativo período, atingiram, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022.", informa ao detalhar o esquema.
Além disso, a investigação também identificou financiamentos contratados para manter a operação, mas sem a aprovação dos sócios que deveria ter ocorrido. Eles, inclusive, não foram informados "adequadamente" no balanço patrimonial, o que mascara o grau de endividamento da empresa, informação muito relevante para fornecedores e para acionistas.
Relembre e entenda o caso
O estouro da Americanas começou quando foi divulgado um rombo contábil de R$ 20 bilhões. A rede de varejo entrou em recuperação judicial com dívidas de R$ 43 bilhões. O tamanho do problema, que passou por executivos e pela auditoria PwC, gerou uma crise de credibilidade chamada no mercado de "Efeito Americanas". Além disso, lojas da rede já foram fechadas e centros logísticos foram desocupados.
A divulgação do fato relevante teve reação positiva do mercado financeiro. As ações da Americanas estão alta neste início de pregão da bolsa de valores de São Paulo. Ainda assim, fontes da coluna identificam uma blindagem do comunicado à auditoria PwC, que deixou passar o rombo, e aos acionistas majoritários Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, conhecidos como 3G.
- Não precisa ser nenhum especialista em contabilidade para desconfiar que há algo muito errado quando o passivo "fornecedores" cai R$ 4 bilhões de 2021 para 2022 enquanto o ativo "estoques" aumenta em quase R$ 1 bilhão. A falha foi grosseira. As auditorias tinham acesso ao sistema de informação de crédito do Banco Central. Bastava consultar que iriam verificar que as informações do Banco Central não batiam com as demonstrações contábeis. Isso é desvio de poupança pública. Nos Estados Unidos, esse pessoal passaria o resto da vida na cadeia - comenta o presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin), Aurélio Valporto.
Apesar do comunicado forte e da repercussão boa em bolsa, há uma estratégia para melhorar a credibilidade da empresa, incluindo a informação desta semana de que o 3G não venderá ações da empresa por três anos. Por mais que muitos não estejam apontados como culpados no documento, há uma boa dose de negligência de conselhos, grandes acionistas e da auditoria. O maior acerto do comunicado da Americanas foi o uso da palavra "fraude".
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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