Há mais de 10 anos que os brasileiros são presença massiva na NRF, feira internacional de varejo aqui de Nova York. Os gaúchos, claro, estão entre eles. No encerramento do evento, a coluna pediu aos presidentes das entidades de varejo de Porto Alegre as suas percepções sobre o que foi debatido e o que devem levar para compartilhar com o setor no Brasil. Confira:
Paulo Kruse, presidente do Sindilojas Porto Alegre
Como os norte-americanos estão preocupados com a inflação e falta de produtos! É uma preocupação no Rio Grande do Sul também?
Certamente. Parece que tudo que está acontecendo lá está acontecendo aqui, mas o que me surpreende é a demora que eles entendem para baixar a inflação. Eles esperam um a dois anos. Isso é preocupante. E por isso que eu vejo que no Brasil temos uma diferença de 3% em relação a eles, e nosso país, com tudo que aconteceu, estamos muito bem. O abastecimento se nota nas lojas. Nós notamos a falta de consumidores nas lojas, nos restaurantes. Nova York está bastante abatida. A pandemia fez sofrer muito, e isso desenvolve. O que nós vemos? Falta de investimentos no varejo, novidades não tão normais como eram há algum tempo, e por isso, nos preocupa. A única certeza que temos aqui é que ninguém sabe ao certo o que vai acontecer. E por isso que é muito importante que se faça trabalho conjunto, união, ouça outros pares, façam parcerias, compartilhamentos, para que a gente possa até errar, mas tentando acertar. E é isso que vimos na palestra da Carla Harris, uma líder nata, e que deu um show para que as novas lideranças vejam como devem se comportar.
Acho que os palestrantes sabem que o pessoal veio aqui para tentar tirar algum tipo de projeção mais concreta, um norte, uma bússola para todo mundo, porque tudo muda muito rápido. Eu já ouvi dois grandes palestrantes falando que não têm bola de cristal, mas que os ajustes precisam ser feitos conforme a coisa for andando.
Certamente. Por isso que digo que temos que fazer. Certamente vamos errar, e as lideranças precisam ouvir seus pares e empoderar seu líderes que trabalham com ele para que façam. Errem, mas os ajustes vão sendo feitos. Quem estiver fazendo coisa diferente, tentando, vai passar. Quem não fizer e continuar mantendo o que vinha fazendo, certamente terá problema.
O que acha do metaverso?
Eu acho sensacional, uma mudança de paradigma. Daqui a pouco teremos nosso avatar fazendo compras, comprando roupa, e as empresas investindo nisso. Lógico que isso é uma distância muito grande para o pequeno. Não é algo real para a realidade do pequeno, mas é uma coisa interessante. Assim como surgiu a internet anos atrás, agora está surgindo o metaverso. E os investimentos serão massivos e pesados pelas empresas que querem obter lucros e mudar o rumo das coisas. Eu acho que a discussão sobre o metaverso é muito plausível e o jovem que é desafiador, que joga, vai entender mais rapidamente o sistema de metaverso.
E a geração Z. Teve uma palestra de uma mulher de 24 anos e me chamou atenção que ela fala muito sobre o uso do virtual, do online, mas ela também valoriza a experiência de ir até a loja. Isso até me dá uma tranquilidade. Quem sabe essa geração também vai trazer esse equilíbrio, não só para economia, mas também de saúde mental. E também ela fala sobre o engajamento com as marcas, que é um assunto que se fala há muito tempo, mas que tem crescido muito mais. Ela fez uma crítica à Victoria Secret's, uma marca que foi cancelada na internet por causa das modelos que usava e por outras questões envolvendo a gestão da empresa. E ela citou uma marca citada Parade, até então desconhecida, mas que ganhou destaque pelo engajamento.
Certamente. Isso é uma coisa que impacta muito nos jovens. Eles não têm fidelidade, eles querem empresas que fazem aquilo que eles entendem como o certo. E o certo para eles não é, necessariamente, o que vem sendo tomado como certo até agora. Eles têm muitos questionamentos. Quem tem filho pequeno, jovem, sabe que eles são questionadores. E eles questionam tudo. A forma de viver, vestir, de adquirir patrimônio e bens. E isso tudo vai trazer um crescimento. Essa moça que palestrou tem uma comunidade de 10 mil pessoas que discutem esse assunto e, dali, fazem, inclusive, negócios, e surgem como pequenos investidores que podem se tornar, no conjunto, grandes. E demonstra bem, Giane, e eu fiquei muito entusiasmado com aquela palestra, porque demostra como nós temos que olhar e ouvir o jovem. Os jovens serão as pessoas que vão comandar nosso futuro. Eles precisam ser ouvidos, e não são ouvidos devidamente. E as empresas precisam ouvir os jovens para entender como será o futuro do seu negócio em venda.
Arcione Piva, vice-presidente do Sindilojas Porto Alegre
A gente falava sobre cadeia de suprimentos. Vocês são do varejo, mas estão vendo que as indústrias não tiveram capacidade de produção. Tem também a questão do estrangulamento do frete global também afetou bastante e a gente acabou importando uma inflação que não é nossa, e é um dos motivos da inflação nos Estados Unidos. Muitas empresas e varejistas estão querendo não depender tanto mais dessa cadeia de suprimentos tal como ela é, e gerou essa situação de agora, e estão mudando de onde compram. Tentando produzir no Brasil. Isso está trazendo uma discussão no setor industrial e também no setor varejista de uma reindustrialização, que não se faz da noite do dia. Isso não é um processo rápido, certo?
É, com certeza. O fato do Brasil ter trabalhado com importação, especialmente da Ásia, nos últimos anos, fez com que a indústria brasileira ficasse degradada. É uma palavra forte, mas essa é a realidade. A indústria brasileira, especialmente na linha de moda, confecção, está muito, muito prejudicada. Agora, com fretes muito caros, com essa logística internacional sendo muito difícil e demorada, com altos custos, acaba sendo impossível, ou muito mais difícil de trazer do mercado da Ásia para o Brasil, obrigando o varejo brasileiro a voltar para dentro do país, e precisa, de fato, reindustrializar a indústria brasileira. E isso leva um tempo, o que é uma preocupação a mais no varejo brasileiro.
Isso não quer dizer deixar de comprar de outros lugares também? A China vai continuar sendo um fornecedor? Como isso deve se organizar? O executivo da Ralph Lauren disse que antes mesmo da pandemia eles tinham identificado que estavam dependendo muito de só dois mercados como fornecedores. E aí eles buscaram, fizeram um trabalho de diversificação de fornecedores, e também aumentaram o prazo de seus contratos para que, quando houvesse um problema, como aconteceu agora, eles tivessem preferência para compra dos produtos.
É, talvez aí seja a união de esforços entre empresários. Especialmente os pequenos e médios devem se unir e buscar outras alternativas. Não necessariamente só da Ásia, mas Europa, a própria América Latina tem bastante possibilidade de fornecer produtos, basta a gente estar aberto, disponível para o novo. Esse é um desafio que até o Sindilojas tem discutido muito em Porto Alegre, de unir os lojistas para que eles busquem soluções em conjunto. Talvez seja essa uma saída para driblar essa crise, especialmente de abastecimento em âmbito mundial, que não é um problema só do Brasil. Com a união de grandes empresas, e especialmente de pequenos, pode-se transformar isso em uma oportunidade de negócios para abastecer esse problema de abastecimento.
Vai dar para construir uma casa no metaverso e comprar as coisas da Elevato?
Já estamos trabalhando nisso, Giane. A Elevato tem uma equipe de inovação que já está trabalhando nisso de ter possibilidade de colocar produtos no metaverso, e isso pode ser que resolva. Estava pensando aqui, enquanto tu falava com Paulo Kruse, que pode ser que resolva o problema da logística. Porque no metaverso, na verdade, você não precisa entregar o produto físico.
Mas o que o Paulo falava antes, sobre essa fidelidade da menina de 24 anos, e eu ouvi na NRF do CEO da Walmart, que será o próximo CEO da NRF, de que a fidelidade do cliente está até que outra empresa, outro serviço seja oferecido e que chame atenção do consumidor. A fidelidade é muito sensível. O varejista tem que estar muito atento à mudança de perfil dos seus consumidores. Porque as gerações vão crescendo, fazendo com que a empresa se obrigue a continuar evoluindo para acompanhar esse consumidor. Não basta ser líder hoje. Tu tem que estar preocupado em acompanhar as gerações para que você possa continuar a ser líder. E para continuar a ser líder, tem que fazer coisas diferentes do que vinha sendo feito. Nada do que eu fiz até ontem serve para eu continuar como líder amanhã. Eu preciso evoluir também no jeito de gerenciar, de gerir meu negócio, meus consumidores e clientes para que eles possam permanecer dentro do negócio. É um desafio grande, mas não tão difícil assim. Basta a gente prestar atenção no comportamento dos filhos, dos netos, das crianças, de como elas estão se comportando no dia a dia. Todo mundo tem alguém, todas as famílias, todos os empreendedores têm alguém jovem, criança na família. Acompanhe essas crianças para ver como elas estão querendo ser atendidas.
Irio Piva, presidente da CDL Porto Alegre
Quais os destaques da NRF na sua opinião, presidente?
Não é muito fácil resumir porque foram muitas coisas, mas a primeira das conclusões que eu cheguei é que um problema que estamos vivendo no Brasil, que é o fenômeno da inflação e do desabastecimento é uma realidade nos Estados Unidos nesse momento e certamente em quase todo o mundo. Mas esse eu acredito que vá se resolver no curto prazo. Outros temas muito tratados na NRF foram sustentabilidade, diversidade, inclusão equidade, consumidor no centro de tudo. Se falou muito em pessoas. Sobre o consumidor, se falou muito de que ele quer, nesse momento, — e acho que isso aconteceu com a evolução trazida pela pandemia — ser atendido na hora, no local e do jeito que ele quer. Esse consumidor omnichannel quer tudo. Ele quer ser atendido na hora que quer, com o produto que quer. É quase um streaming, tudo on demand.
E qual o destaque entre as palestras?
Outro tema que me chamou muito atenção e pra mim a melhor palestra da NRF foi da Carla Harris, da Morgan Stanley. Esta deu um show. Ela começou a sua palestra falando de incerteza geopolítica, do assunto da China, da Ucrânia, falou da inflação, da cadeia de abastecimento, das taxas de juro que estão aumentando, mas trouxe também uma visão muito positiva, apesar de tudo isso. Ela entende que teremos um ano para o varejo muito forte. Ela também comentou, e acho que aí foi o ponto forte da palestra, sobre liderança. Inclusive ela citou as oito pérolas da liderança que são autenticidade, estabelecer confiança, criar outros líderes, diversidade, inovação, exclusividade, relacionamento e coragem.
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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