Com endividamento recorde e juro em alta, cresce a preocupação com a inadimplência do consumidor. As dívidas também não estão de boa qualidade. A coluna conversou sobre o assunto no Gaúcha Atualidade com a economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Izis Ferreira. Confira:
Qual a principal preocupação que tem a confederação hoje em relação à crise que as pessoas vivem?
O aumento de juros que está acontecendo no país, e que de fato começou a acender um alerta para o aumento de inadimplência. O endividamento está acontecendo de forma bastante acelerada nos últimos meses, principalmente nesse último semestre do ano. A gente chegou, em termos nacionais, a 76% de famílias endividadas no Brasil. Quando a gente olha no Rio Grande do Sul, por exemplo, esse percentual é ainda maior. São 86% das famílias com algum tipo de dívida. Tanto no Brasil como no Rio Grande do Sul, o endividamento vem crescendo de forma rápida desde meados desse ano, e a inadimplência também começou a crescer a partir de junho/julho deste ano, junto com o aumento dos juros. O endividamento está acontecendo, de fato, no cartão de crédito, que é a modalidade que mais ganhou destaque no último ano. Praticamente em todas as regiões do Brasil, essa é a realidade. As pessoas estão precisando usar o cartão de crédito para dar aquele fôlego à renda até o final do mês. E o cartão de crédito, como a gente sabe, quando se torna o crédito rotativo é que é o problema. Quando a pessoa não consegue quitar a totalidade do valor daquele mês da fatura e precisa deixar parte daquele valor para os meses seguintes. Aí sim que isso pode se tornar um problema para a família, porque o juro é realmente muito alto, acima de 340% ao ano, e a gente precisa pensar que, nos meses seguintes, a gente vai precisar consumir medicamentos, alimentos que são itens de primeira necessidade e que vem sofrendo muito com a inflação. As famílias de renda mais baixa estão sofrendo bastante com a inflação. Acima de 11%, ou já próximo a 11% e uma inflação concentrada nos itens principais consumidos por essas famílias, que são energia elétrica, transporte, alimentos e medicamentos. São as quatro principais classes de despesas que estão afetando muito os orçamentos das famílias. Então, o alerta surgiu com o aumento da inadimplência e com crescimento do endividamento no cartão de crédito.
Qual é a repercussão da decisão do Banco Central de elevar a taxa de juro Selic em 1,5 ponto percentual? E mais: ter sinalizado que esse ritmo de alta vai continuar?
É uma sequência de aumentos que vem acontecendo desde o final do ano passado, início desse ano. Isso aumenta o custo do crédito, isso encarece as dívidas, e, de fato, desacelera ou desestimula o uso do crédito. Só que a inflação está pesando tanto no orçamento das famílias que, mesmo com os juros mais altos, o endividamento segue crescente. Em termos nacionais e também é a realidade das famílias do Rio Grande do Sul. Então, por mais que o crédito esteja mais caro, por mais que as famílias precisem pagar mais juros para se endividar, elas, mesmo assim, estão se endividando, precisando daqueles recursos. Então, a tendência no próximo ano, que é de eleições, de mais incerteza, com juros altos e inflação alta, é de que a gente observe alguma moderação. O endividamento deve parar de crescer, justamente em função dos juros mais altos. As famílias precisam ter um cuidado ao se endividar para que, ao se endividarem, não fiquem inadimplentes. A gente agora, mais do que nunca, tem que ter cautela no consumo de itens supérfluos, no consumo de itens que podem esperar um próximo momento, um momento mais tranquilo, mais adequado para o orçamento, porque a gente, de fato, vai continuar a ter esses desafios no próximo ano: inflação alta, juros altos e crédito mais caro.
Quais são os passos para as pessoas endividadas renegociarem a dívida? Procura quem? Argumenta com o que para pedir uma condição melhor de pagamento ou para trocar a dívida?
Para quem já está altamente endividado, o primeiro passo é olhar como estão essas dívidas, como está a evolução das compras, porque é bom lembrar que a gente possui contas físicas, despesas que acontecem todos os meses, que são as despesas de consumo, e também as dívidas com os bancos, com sistema financeiro. A primeira coisa é olhar como está essa dívida, se está difícil de pagar quando a pessoa já está endividada, é buscar a instituição credora, seja o banco ou a financeira, para tentar alongar o prazo de pagamento. Por mais que a pessoa vá pagar mais juros, quando ela consegue diminuir o valor da parcela, ela consegue pagar com uma tranquilidade maior. Então, ela tem que fazer caber aquela parcela no orçamento. E isso a gente consegue renegociando mais prazo. A gente tem percebido, quando olhamos os indicadores de endividamento, que as pessoas realmente estão precisando de prazo e estão renegociando suas dívidas. A proporção de famílias com dívidas por mais de um ano está aumentando, chegando ao nível recorde agora em novembro. Então, de fato, as pessoas estão precisando de prazo. Buscar a instituição credora, buscar o banco, buscar a financeira, a administradora do cartão de crédito e procurar alongar o prazo dessa dívida. O segundo passo é evitar novas dívidas. A gente sabe que estamos vivendo um momento muito difícil, em que esse fôlego financeiro está acontecendo através do cartão de crédito, do cheque especial, mas as pessoas precisam tomar muito cuidado ao contratar novas dívidas, já que estão endividadas. O segundo passo é evitar o consumo de supérfluos e a contratação de novas dívidas. E também, um detalhe importante, é o bom e velho registro das despesas: anotar, seja em um caderninho, seja em um aplicativo, em planilha, é super importante anotar e fazer o registro de todos os gastos, porque só assim a gente consegue cortar aquilo que não conseguimos ver. Então, quando registramos, aparece para gente onde estamos gastando de forma desnecessária. Essas são as principais dicas. Para controlar o gasto, precisa registrá-lo, que aí fica fácil de enxergar a despesa e eliminá-la do orçamento. E a terceira coisa para aquelas que já estão endividadas, que estão sentindo que vão ficar inadimplentes, imediatamente buscar o credor e tentar renegociar um prazo, ou até tentar um outro tipo de crédito mais barato, com uma taxa de juros menor para quitar aquele que está mais caro e seguir com uma dívida mais em conta, ou mais tranquila, com uma parcela mais baixa para conseguir pagar e não ficar inadimplente. Acho que esse é o principal cuidado, e requer um olhar da família para essa questão do orçamento doméstico, porque muitas vezes, em momentos de bonança ou inflação baixa, nós vamos gastando e não paramos para olhar o orçamento. Mas agora a situação é outra, os desafios são inúmeros e grandes. Vamos continuar com a inflação alta, persistente, disseminada, então é hora de as pessoas focarem nos orçamentos domésticos e equilibrarem melhor de fato os gastos.
Ouça a entrevista completa para o Gaúcha Atualidade, programa da Rádio Gaúcha:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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