Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires falou ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, sobre a situação do preço dos combustíveis. No final de outubro, houve novo reajuste nas refinarias da Petrobras e em unidades privadas. Nesta semana, a alta do etanol, do diesel usado no transporte dos próprios combustíveis e o reajuste do preço para cálculo do ICMS antes do congelamento provocaram novo aumento nas bombas. Entre várias questões, o especialista respondeu dúvidas da coluna sobre o assunto. Pires defende políticas públicas para que a sociedade não arque com os custos em períodos de disparada de preços, enfatizando que a arrecadação dos governos federal e estaduais está se beneficiando da elevação. Mas entende que congelar impostos e interferir na Petrobras não são soluções para o problema, mas, sim, paliativos.
A cadeia econômica dos combustíveis tem vários pontos e sofre várias pressões. Como agir para nestes elos para minimizar as altas?
Não estamos vivendo um fenômeno restrito ao Brasil, mas de escala global. O petróleo está batendo US$ 85, então, a gasolina está cara no mundo inteiro, não é uma exclusividade brasileira, tanto de gasolina como dos outros derivados do petróleo, como diesel, GLP. Nesses períodos de excepcionalidade, é preciso, também, criar políticas excepcionais. Acho que o que está faltando no Brasil é política pública. O Brasil está saindo de uma pandemia, como o mundo todo. Todo o mundo ficou mais pobre com a pandemia. Quando você pega pela frente um aumento no preço da energia como está acontecendo no Brasil e no mundo, você gera inflação, os outros produtos ficam mais caros, e acaba que você não consegue retomar o crescimento econômico como deveria, criando uma situação muito delicada. Em particular no Brasil, que tem uma renda per capita muito baixa, que sofreu mais que os países desenvolvidos com a pandemia. Eu acho que deveríamos criar mecanismos para reduzir volatilidade do preço dos combustíveis que chegam na bomba. Reduzir preços é uma coisa mais complicada, porque o preço, para se reduzir, depende muito da variação do preço do barril e do próprio câmbio, que em 2021 teve uma depreciação muito alta do real frente ao dólar. Então, qual seria a política pública? Criar um fundo de estabilização, por exemplo, do preço do diesel. O setor hoje de petróleo e gás está beneficiando muito o governo em termos de arrecadação. Não só o governo federal como os estaduais. A nível federal, você tem o crescimento do PIS/Cofins, do royalty e das participações especiais, que são pagas quando o petróleo cresce de preço e a arrecadação de royalty sobe muito. Os Estados vão ter aumento na arrecadação de ICMS. E a Petrobras também está ganhando muito dinheiro com isso, basta ver o resultado dos lucros da Petrobras. Mas, em contrapartida, a Petrobras está dando muito dividendo para o governo. Nos três primeiros trimestre desse ano de 2021, a Petrobras já deu R$ 23 bilhões em dividendos para o governo. Caberia para o governo juntar esse dinheiro todo, pegar uma parte e criar um fundo que tire volatilidade e reduza o preço do diesel. Gasolina acho um pouco mais complicado, porque é um combustível individual e que tem até substituto, mas também poderia servir para ela. O botijão de gás, o Congresso acabou de aprovar um vale-gás que vai para sanção do presidente. Acho que será muito importante para as 17 milhões de famílias brasileiras que estão inscritas no Bolsa Família ter um gás mais barato. Elas não conseguem, hoje, comprar botijão de gás, que é a única forma socialmente correta de cozinhar, não é com lenha, com garrafa pet, com pneu usado. Acho que esse tipo de política precisa ser feita. Não adianta o presidente ficar reclamando da Petrobras, falar que vai privatizá-la, uma série de declarações; os governadores também falar sobre congelar ICMS. O governo já congelou durante três meses o PIS/Cofins. Isso tudo é medida paliativa, que não ataca o cerne da questão. O cerne da questão é tratado com política pública. Lá atrás, teve uma tentativa, no final do governo FHC, criar a Cide, um imposto que seria alto quando o barril estivesse mais barato, e baixo quando o barril estivesse caro, para estabelecer um colchão que permitisse que a sociedade não fosse atingida de uma maneira tão rápida nesses aumentos ou nesses períodos extraordinários. Mas a Cide nunca funcionou direito porque o próprio governo PT a descaracterizou, transformando-a em um imposto arrecadatório em vez de um imposto regulatório. Acho que o governo tem que ter pressa em criar algum mecanismo, que seria esse fundo de estabilização ou vale-gás, porque estamos em uma situação muito difícil, que está levando a uma espécie de convulsão social. Ninguém aguenta mais pagar gasolina a R$ 7, o caminhoneiro, para encher o caminhão gasta R$ 1,5 mil, até R$ 2 mil. O botijão de gás está R$ 120. E a própria energia elétrica também está aumentando em função do aumento do diesel. Está gerando muita energia elétrica com diesel em função de que os reservatórios hidrelétricos estão muito vazios. Estamos caminhando para uma direção em que todos perdem. O próprio vendedor de gasolina, de botijão, vai vender menos porque as pessoas não conseguem pagar esse preço todo. Hoje, para encher o carro de gasolina, custa R$ 300, R$ 400 dependendo do carro. Precisa ter uma política pública que enfrente esse problema, que vai continuar. Daqui a pouco o petróleo fica barato - todo mundo espera -, e nos encontramos na próxima crise. Temos que criar políticas para que, quando aconteçam eventos como esse de barril muito caro ou depreciação da moeda, tenhamos condições de não permitir que a sociedade arque com esses custos.
E nessa linha de políticas públicas, não seria o caso de dar mais atenção para etanol? O motor flex não vê etanol há anos.
O Brasil tem uma coisa interessante, temos opções quando falamos de combustível. Hoje você vai no posto, pode colocar etanol, GNV. Por exemplo, no Rio de Janeiro, os táxis e Ubers usam GNV. Então, no Rio de Janeiro, não tem aquele problema de motoristas de aplicativo hoje. Estão funcionando normalmente, porque praticamente 100% deles não usam gasolina nem etanol, e sim o gás natural veicular. É uma alternativa hoje para quem tem o carro e está com gasolina cara, converter o motor para GNV. Agora, o etanol, às vezes, acaba encarecendo a gasolina porque 27% da gasolina que você coloca no seu carro é etanol anidro. Outro etanol, hidratado, é colocado puro. O etanol também depende muito da questão climática. É um bem agrícola, como o biodiesel. Hoje, você coloca 10% de biodiesel no diesel, e está encarecendo o diesel com o biodiesel, porque o biodiesel brasileiro é praticamente todo de soja, que está muito cara. Então, temos que entender essas coisas todas. O etanol e o biodiesel competem de maneira desigual com a gasolina e o diesel, porque a gasolina e diesel hoje, apesar de estarem caros, estão defasados no mercado internacional. Então, muitas vezes, o etanol e o biodiesel seguem regras de mercado. Eu acho que temos que entender esse contexto todo, e o consumidor precisa estar atendo a isso, e estimular a concorrência entre fontes, dar a informação, como vocês fazem, para o consumidor saber como lidar com essa história toda e cobrar do governo. O consumidor tem que ir ao posto negociar preço, ver se vale a pena colocar etanol, ele precisa fazer a conta para ver se vale a pena transformar o carro dele em GNV. Se é um consumidor que roda muito, se é taxista. Hoje, por exemplo, o Rio de Janeiro dá desconto de IPVA para os táxis, porque não dar também em outros estados brasileiros? E cobrar do governo também. Estamos vivendo um colapso de energia a nível mundial. O gás natural, por exemplo na Europa, subiu 300%. Tem muita gente com medo de como será o inverno na Europa, medo de as pessoas não terem dinheiro para pagar o gás para se aquecer. Nesse momento de excepcionalidade, temos que ter políticas excepcionais, e isso não está acontecendo no Brasil. Não estamos encarando esse problema com políticas públicas excepcionais que atenuem essa elevação de preços.
Ouça a entrevista completa no programa Gaúcha Atualidade:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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