Com a crise hídrica e o impacto no custo da energia, a coluna tem olhado para outras fontes que podem diversificar a matriz brasileira. Uma das que têm maior potencial é a eólica, que gera energia a partir do vento. Ganha espaço também a instalação de aerogeradores no mar, com a chamada tecnologia offshore. Para falar sobre todos esses temas, o programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha, ouviu Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Confira:
Como está a representatividade do Rio Grande do Sul na energia eólica?
É muito importante destacarmos o Rio Grande do Sul, porque este ano temos um marco. Os projetos de grande porte começaram no Brasil a partir do Proinfa, que foi um programa de fontes alternativas, e o primeiro projeto foi feito no Rio Grande do Sul, que é o Parque Eólico de Osório, que está completando 15 anos. Então, a energia eólica de grande porte no Brasil está completando 15 anos, e é o Rio Grande do Sul que está fazendo essa festa. Eu estive recentemente no parque de Osório, conversando sobre os investimentos. Depois, nós tivemos leilões competitivos em 2009, em 2010, muitos parques entraram em operação. Em 2011, tivemos o marco do primeiro parque que entrou em operação após os leilões, que é o Parque Eólico Cerro Chato, em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Então, o Rio Grande do Sul está o tempo todo na história do vento e da produção de energia eólica, e representa muito em termos de investimento. Temos um grande potencial eólico no Nordeste e no Sul. E no Sul, esse potencial está concentrado no Rio Grande do Sul. Principalmente nos últimos três anos, porque conseguimos vencer um desafio muito relevante, que é com relação às linhas de transmissão. Hoje, estamos com uma oferta razoável de linhas de transmissão, podendo trazer nossos projetos e contribuir para o fornecimento de energia limpa e renovável do país. E agora, com a escassez hídrica, estamos vendo o quanto é relevante a produção eólica, que já está atendendo 20% do mercado brasileiro.
Veja em vídeo:
A senhora esteve aqui no Estado. Era alguma agenda especial do setor?
Eu fiz uma visita ao secretário Artur Lemos, com as lideranças, investidores de energia eólica. Fui até o gabinete conversar com ele, falamos com a secretaria do Meio Ambiente, com o secretário Luiz Henrique Viana. E depois, estive no Parque de Osório, porque houve o lançamento de um veículo elétrico. Há um aspecto fundamental nessa questão de investimentos de renováveis, porque, até três ou quatro anos atrás, falávamos muito de projetos por leilões, por mercado geral de energia. Nos últimos três anos, estamos vendo uma demanda muito forte do lado do consumo. Os grandes consumidores do Brasil, as fábricas, indústrias, shopping centers, estão buscando energia limpa e renovável para compor o portfólio deles, porque eles estão buscando ativos com características de ESG (siga em inglês para ambiental, social e governança). Então, essas empresas que estão querendo fazer toda uma cadeia produtiva com emissão zero de carbono estão contratando no mercado livre as energias renováveis.
Elas apenas contratam no mercado livre ou há empresas gerando sua própria energia eólica?
Temos várias modalidades. Como o modelo de setor de energia permite autoprodução e produção independente, então um grande consumidor pode fazer um parque para ele, como é o da Honda em Xangri-lá. Essa empresa construiu um parque para ela, para produzir energia eólica para que os veículos que produz na fábrica tenham 100% de energia renovável. Essa é uma modalidade que conhecemos como autoprodução. E temos modalidades de produção independente, em que grandes investidores entram de sócios em parques eólicos, comprando um pedaço da energia, e fazer uma composição societária com geradores. Estamos vendo uma dinâmica muito forte nesse mercado livre, e muito associada ao mercado consumidor, às empresas, ao setor calçadista, automotivo, indústria de alumínio, de base, todos procurando a energia eólica para fazer esse tipo de contrato.
E a microgeração em residências, pequenos comércios, já é possível? É viável?
A tecnologia existe. Tecnicamente, é possível. Mas não é nada parecido com a energia solar. Primeiro, porque o sol é muito mais bem distribuído no país inteiro, é suficiente para acionar os painéis solares. Aqueles usados nos telhados das casas são os mesmos dos parques de grande porte. Isso permite uma mobilidade e um ganho de escala que é muito diferente da eólica. Esta tem as grandes turbinas, que são para parques de grande porte. E tem as turbinas menores, que são específicas para residências e fazendas. Então, pelo fato de a tecnologia ser diferente, você não tem tantos ganhos de escala. O segundo fator é que a turbina eólica, mesmo a pequena, exige um tipo de vento que você não encontra tão espalhado como o sol. Por essa razão, nós vamos ver sempre, a despeito do desenvolvimento de tecnologia, a solar tomando a frente, por questões de natureza técnica e recursos naturais. Mas temos, sim, a tecnologia. No Brasil, deve ter uns 500 mini aerogeradores funcionando, mas não conseguimos um grau tecnológico que nos permita uma escala para dar acessibilidade ao consumo. Hoje, ela acaba ficando ainda muito cara para os consumidores.
Estive recentemente fazendo a cobertura da visita governamental à Espanha, onde a comitiva gaúcha se encontrou com empresas espanholas e discutiu muito investimentos offshore. Isso gerou um questionamento sobre o custo de instalar aerogeradores na água. Não é mais caro? Se sim, por que apostar na tecnologia?
A tecnologia offshore começou a ser desenvolvida recentemente. A eólica onshore também, tem cerca de 25 anos de idade. E a offshore é um pouco mais jovem. Os países europeus que começaram com essa tecnologia quando eles esgotaram o uso da terra, que é pequena na Europa. No Brasil, isso é completamente distinto, porque o recurso onshore é inesgotável. O Brasil pode instalar aerogeradores por mais 30 anos e ainda vai ter recursos. Então, por necessidade técnica, você diria que não precisa fazer agora, até porque offshore é mais caro. Mas nós não podemos olhar para as novas tecnologias pensando nessa forma. Nós não estamos fazendo uma fonte em detrimento da outra, substituindo uma fonte por outra, esperando uma esgotar para outra começar. Precisamos pensar, em termos de energia, na diversificação. Embora a eólica offshore utilize o mesmo combustível, que é o vento, o regime de produção é diferente, então a offshore é complementar à onshore. Você pode aproveitar isso em outras regiões, para não concentrar a produção só no Nordeste ou só no Sul. E esses custos tendem a cair em uma velocidade muito rápida. Há 10, 15 anos, quando estávamos começando com a energia eólica, ela era entre a terceira e quarta mais barata. Em 2017, ela passou a ser mais barata do que a hidrelétrica, que era considerada a mais barata. O que o Brasil precisa fazer? Preparar a estrutura regulatória, de meio ambiente, para receber os investimentos, porque há muito interesse dos países em investir no Brasil.
A senhora falou sobre serem complementares. O custo da geração seria menor?
O custo de instalação, e portanto o custo de geração, é maior, dada a tecnologia, e dado o estado de maturidade da tecnologia, mas nós não podemos abrir mão dessa nova tecnologia pelo fato de ela custar um pouco mais. O progresso tecnológico é muito rápido e os custos tendem a cair muito rapidamente. E a escolha da produção de energia e da matriz de um país não pode estar fundamentada apenas no custo. Você precisa levar em consideração três fatores quando vai escolher uma fonte de geração: a questão ambiental, a competitividade e a segurança de suplemento. Para você garantir a segurança de suplemento, você necessariamente tem que ter uma matriz diversificada. Você não pode colocar os ovos na mesma cesta. Hoje, o Brasil está passando por uma crise hídrica que trouxe uma consequência em crise de energia elétrica justamente porque nós dependemos muito, ainda, das hidrelétricas. Na medida em que colocarmos mais fontes na matriz, nosso risco vai ficar menor, porque se falta hidrelétrica, temos outras fontes para chamar para gerar rapidamente. Hoje, só temos o gás, e é muito caro, porque a crise energética é global.
E qual seria a diversificação no caso de apostar no onshore e no offshore?
É um regime de vento diferenciado. A tecnologia é muito próxima, só que você tem aproveitamento offshore em regiões diferentes. Isso já melhora em termos de complementação de geração. Às vezes, você tem energia sobrando no Sul, e aí você tem dificuldade de transferir para o Sudeste. Então, quando você diversifica a produção, e você diversifica as fontes, você também diversifica a localização, o que é, também, um fator de segurança para um país continental como o Brasil. E a outra questão é a própria produção e regime, porque o vento que bate na costa e a forma que ele gera energia é diferente do vento que bate no interior. Em determinadas horas do dia, o regime de vento no Rio Grande do Sul tem uma determinada natureza. De madrugada, por exemplo, o Nordeste gera muita energia no Interior, no onshore. Durante o dia, vamos ter muita geração offshore no Nordeste, e essa é a forma que você consegue a diversificação.
Ouça o programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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