O Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs) divulgou uma pesquisa que mostra o cenário das indústrias da Serra no primeiro semestre do ano. Entre os destaques, estão o aumento na demanda, no faturamento, novas contratações e boas perspectivas de retorno aos patamares pré-pandemia. Mas a falta e o aumento nos preços de insumos são os desafios do setor, assim como o risco de racionamento de energia no país. Sobre o assunto, o programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha, ouviu Ruben Antonio Bisi, vice-presidente de Relações Institucionais do Simecs e diretor de Relações Institucionais da Marcopolo. Confira:
Como as empresas lidam com a alta do aço?
Por incrível que pareça, ainda falta insumo. Dos nossos associados, 61% tiveram esse problema. Temos a questão dos semicondutores, que está atingindo bastante a indústria automotiva. Nós estamos acompanhando com o Ministério da Economia.
É um problema mundial, né? Nos Estados Unidos, algumas montadoras optaram por retirar, pelo menos por um tempo, semicondutor de determinadas funcionalidades do veículo para poder produzir. Tem uma fábrica sendo erguida na Alemanha, mas demora para ajustar o descompasso, não?
Sim. E o descompasso foi agravado por um incêndio de uma fábrica de semicondutores no Japão. Então, as indústrias automotivas estão concentrando hoje os semicondutores em produtos de valores agregados. Os veículos populares no Brasil praticamente saíram do mercado para dar lugar às SUVs, veículos de maior valor agregado, por causa da falta de insumos. Na nossa região, o impacto atinge quem fornece para a indústria automotiva. A Marcopolo também enfrenta falta de semicondutores para os ônibus. De aço também. Não só a falta, mas o aumento no valor dos insumos, do aço, do alumínio, do cobre.
Assista à entrevista completa em vídeo:
Porque uma coisa está diretamente relacionada à outra: escassez de recursos e aumento de preços.
Exatamente. A China entrou com força para controlar o preço do minério de ferro. Achamos que poderá haver um arrefecimento no aumento porque a demanda baixa um pouco e terá oferta. Poderemos ter uma redução das faltas e uma diminuição dos aumentos ou, quem sabe, uma estabilidade dos preços.
Sem ter uma redução significativa que volte a patamares anteriores, pelo menos por enquanto?
Exatamente.
O que preocupa, não? Porque os insumos são usados por muitas indústrias. Além das representadas pela Simecs, pela construção civil, móveis. E ainda sem previsão de normalizar.
Sim. Eu participo, como presidente da Associação dos Fabricantes de Ônibus, de várias reuniões com o Ministério da Economia e com outras entidades. Há um grupo de estudos sobre falta de insumos. E realmente, o boom das commodities fez com que muitos insumos desaparecessem ou aumentassem muito de preço: aço, plástico, alumínio, cobre... A construção civil, por exemplo, está extremamente impactada porque utiliza todos eles. Teve também um congelamento de uma linha no Texas que afetou toda a cadeia mundial. Então, descobrimos que somos, sim, reféns de cadeias de produção. Só o Japão fabrica alguns tipos de gases. Então, se formos fabricar aqui os semicondutores, quem fabrica os gases? Há muitas cadeias produtivas que têm alguma tecnologia que não dominamos. O governo brasileiro está preocupado com isso e está criando grupos para estudar essas cadeias e ver os insumos que temos que produzir aqui.
Para conseguir ter um pouco mais de controle desse fornecimento...
Fornecimento e preços também.
A questão de plástico também preocupa...
Sim. E descobrimos que o Plástico ABS é 100% importado. Não temos fábrica aqui no Brasil.
E como se resolve isso? Se ergue uma fábrica? Adapta a produção?
É, uma fábrica de ABS não é tão simples assim, é um grande investimento. Aqui temos poucas empresas de plástico. No Estado, temos a Braskem, que também teve paradas técnicas programas. Mas muitas matérias-primas estão sendo produzidas no país. Para o nosso setor de mobilidade, há investimentos pesados em hidrogênio que estão sendo realizados no Nordeste. Agora, estudar as cadeias é um trabalho importante que o governo está fazendo.
Isso envolve uma certa nacionalização da produção?
Exatamente. Nós somos grandes fabricantes de commodities. Somos os maiores produtores de bauxita, o maior produtor de minério de ferro. Temos praticamente todos os minerais, mas não temos uma bateria para carros elétricos, por exemplo. Todas elas estão em outros países. Essa é outra preocupação: vamos querer a mobilidade elétrica, que é o futuro, e nós não temos insumo básico, que é a bateria? Agora, temos as matérias-primas da bateria, só precisamos criar valor com elas. Outro exemplo é o café. Nós produzimos muito café, mas quem ganha valor agregado são outros, que fabricam a máquina do café. A diferença de um quilo de café e o produto final é 80 vezes o valor agregado. Por outro lado, exportamos minério de ferro e importamos aço mais barato do que custa produzir aqui. Então, temos dois desafios: a redução do Custo Brasil e ter as produções locais aqui. Ter volume para justificar a produção local.
E o grafeno também é uma aposta?
Na realidade, eu estou bastante envolvido com a turma do grafeno na universidade porque acreditamos nessa tecnologia. O grafeno já existe há um bom tempo, mas ainda não conseguimos criar o modelo de utilidade de grafeno. Então, a universidade aqui tá investindo, junto das indústrias da região, para tornar o grafeno em "nota fiscal". E teve essa primeira feira do grafeno que, realmente, trouxe uma luz em algumas aplicações interessantes que poderão reduzir o custo e o preço dos produtos. Em plástico, o grafeno pode reduzir em 10% uma peça. Qualquer tipo de plástico injetável. E a ideia é que ele possa atrair algumas empresas de tecnologia para termos um novo polo aqui na região. Estamos apostando na questão da mobilidade elétrica, a Randon com carreta de tração elétrica, a Marcopolo com seu ônibus elétrico. Se conseguirmos ter uma bateria feita na região. Precisamos investir em pesquisa, termos os produtos e depois atrair os investidores. Fazer um hub de mobilidade elétrica e, com isso, atrair empresas e nacionalizar os componentes que ainda são importados. E não é somente elétrico, temos que ver também a questão dos produtos de hidrogênio porque usam menos bateria e geram sua própria energia no andar.
É um desafio do elétrico, ainda mais considerando a situação do nosso sistema elétrico nacional e as previsões de escassez hídrica nos próximos anos.
A nossa matriz é renovável, uma das mais renováveis do mundo, mas ela depende da chuva. Vamos ter que diversificar nossa matriz, indo mais para o eólico, para o fotovoltaico também. Tem investimentos fortes sendo feitos por empresas para diminuir a dependência da questão hídrica. Se o Brasil for eletrificar toda sua frota, não tem energia para isso. Estamos em uma encruzilhada. O produto elétrico depende de uma matriz diversificada.
O gatilho da nossa entrevista foi o estudo do Simecs com a situação das indústrias da região nesse semestre. Eu gostaria que o senhor comentasse sobre os resultados que apareceram na pesquisa.
A demanda realmente está aumentando, em função do agronegócio. Tem muitas empresas fornecedoras da indústria de agricultura. Então, 30% dos entrevistados apontam que têm um crescimento na demanda, e 38% estão dizendo que essa demanda está estável. Isso é bom. Temos 68% dizendo que está estável ou crescendo. A nível de faturamento, 33% apontam que tiveram alta e 44% falam de certa estabilidade de receita. Estamos não só saindo de uma pandemia, mas de uma recessão profunda, de parada de fábricas, falta de insumos, e esses números são muito bons.
Ainda mais em um cenário que não está tão claro, né?
Exatamente. A nível de demanda e faturamento, 30% dos nossos associados têm crescimento nas receitas. Mais de 80% já fizeram contratações e 34% apontaram que não fizeram nenhuma demissão. Dos 44% que fizeram demissão, foram até 10 funcionários. Entre contratações e demissões, temos um saldo positivo. A questão de matéria-prima foi o que deu mais impacto, dos aumentos e da falta. Praticamente 43% afirmaram que tiveram aumento de mais de 100%. Imagina! E no nosso sindicato, 80% são pequenos e médios fabricantes, que compram dos distribuidores. E os aumentos na distribuição passaram de 200%. Esse é um fator muito importante que fez com que as empresas diminuíssem a sua demanda, porque os preços estão muito acima dos insumos e produtos. Se nós tivéssemos os insumos com preços menores, estaríamos exportando mais, vendendo mais.
Travou, não? Falo com construtoras que estão adiando seus investimentos porque precisam projetar quanto vão pagar pelo insumo no ano que vem.
Fizemos várias lives com fabricantes de aço, com as usinas, e o que mais pedimos foi previsibilidade. Como prever os aumentos? Porque eles acontecem a nível mundial. Mas como prever, como dar um preço de um imóvel, por exemplo, que vou entregar daqui a quatro anos? Produto que eu forneço preço hoje e que entregarei daqui a um ano? Então, é um desafio, realmente, precificar os produtos. Agora, aqui do Simecs, para terminar nossa pesquisa, o que nos deixa muito felizes é que 55% dos nossos associados já retomaram aos níveis pré-pandemia. Isso é um número bastante expressivo. Realmente, a recuperação foi em "V", as empresas estão produzindo mais do que produziam antes da pandemia. Então, a expectativa é otimista, o mercado está aquecido, mas como tu falastes no início da entrevista, o cenário ainda exige muita cautela em função da inflação, novas variantes do vírus e a questão dos insumos, questão hídrica, elétrica, porque vai ter muita demanda. Nos preocupa bastante um possível racionamento de energia se não tivermos uma ativação programada de termelétricas. E o custo da energia é outro fator que preocupa.
O preço da energia já é uma variável que está compreendida que irá aumentar, certo?
Então, Giane, imagina se não houvesse a pandemia, se estivéssemos crescendo a produção como era a ideia lá no início do governo...
E os modelos já mostravam que iríamos enfrentar esse problema hídrico, que vamos enfrentar em 2022. É aquele sério problema que temos de falta de planejamento para questões estruturais no país.
Sim. Temos reunião todas as semanas com pessoal do governo e queremos saber quais são as estratégias. O planejamento de 5, 10, 50 anos. Estamos falando de um Brasil que precisa planejar sua matriz energética, seu modelo industrial, como vamos agregar valor às nossas commodities, como vai ser a liberação do mercado. O nível industrial brasileiro ainda está muito baixo. A desindustrialização está acelerada. Ainda bem que temos a agricultura que está salvando nossa economia, mas é um setor que paga pouco imposto. Ele é taxado, basicamente, em 1,7%. A indústria paga, em impostos agregados, 45,7%. Então, no PIB nacional, os impostos já estão em 38%, 39%. A indústria é mais penalizada e é a que está mais sofrendo. Precisamos ter um plano de governo que faça estudo completo das cadeias, do que o Brasil quer ser. Precisa investir em educação, precisamos ter um projeto de país. E essas discussões teriam que passar pelos ministérios e pelo Congresso. E para fechar, nós fizemos um grupo de empresários, fomos para Brasília e pressionamos porque o Brasil precisa se concentrar nas reformas. Tivemos um presidente que segurou um baque político muito forte, mas temos pautas de reforma que estão no Congresso que podem mudar o país, e fomos pedir para colocar essas pautas em votação.
O senhor é diretor de Relações Institucionais da Marcopolo, empresa que está em um segmento que sofreu bastante, mas que tem apostas, como o projeto Caminho da Escola. Como está a situação da empresa agora?
A Marcopolo é fornecedora do setor que foi mais impactado, que é o setor onde tem aglomeração: restaurantes, hotéis, transporte público. O transporte interestadual no início da pandemia foi bloqueado. O transporte tem que rodar, mas a ocupação está baixa. Todo o setor de transportes está sofrendo. Nosso cliente está sofrendo também e não tem previsão de volta. O meu cliente está muito fragilizado, muitos pedindo recuperação judicial. Qual a nossa esperança? Primeiro, que termine a vacinação, que a ocupação do transporte público volte e que as pessoas comecem a se movimentar. Vamos perder, sim, algum percentual para tecnologias, ensino à distância, teletrabalho, mas precisamos reestruturar todo o sistema de transporte. Por isso, fomos ao governo e estamos pedindo para fazer um novo marco legal do transporte público para reestruturar todo transporte de mobilidade. Ele não se sustenta com a tarifa que tem. Ela é cara para um trabalhador comum, e há uma série de gratuidades. Depois, temos a questão do Caminho da Escola. Teve um edital de 7 mil unidades, a Marcopolo ganhou 4 mil, e esses produtos vão começar a ser entregues em outubro e novembro. Por isso, também, as férias coletivas agora, pela falta de insumo, mas também se preparar porque a demanda poderá crescer no último trimestre do ano.
E aí o pessoal poderá trabalhar para atender a essa demanda?
Essa é a ideia. No nosso mercado, não só aqui no Brasil, o produto teve baixa demanda. No Chile, nosso maior mercado, também pararam. A Marcopolo tem 10 fábricas no exterior, e essas fábricas pararam também. E há também a questão do insumo, que subiu muito, mas que não conseguimos passar na tarifa. Mas acreditamos que, com o novo marco legal, a retomada do turismo e o Caminho da Escola, vamos voltar.
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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