O remorso é a mais terrível das culpas. É o reconhecimento do erro ou do crime e, por isto, dilacera e nos fere. Quando a brutalidade é feita em nosso nome, sem que possamos evitar o horror, tudo é ainda mais perverso e doloroso.
É o caso das alterações ao Código Estadual do Meio Ambiente propostas pelo governador Leite e aprovadas, dias atrás, pela Assembleia Legislativa. Desde já, devemos sentir remorso por tudo aquilo que as mudanças vão ocasionar ou pelas portas que vão abrir à destruição do planeta. Nenhum de nós é alheio ao erro, pois elegemos cada um dos envolvidos no crime, do governador aos deputados.
As mudanças ao Código Ambiental são uma bofetada no futuro. No momento em que a ciência adverte para o perigo da crise climática, o Rio Grande opta pelo caminho oposto. Desdenha a ciência e prefere a feitiçaria com que o falso progresso se disfarça. No mesmo dia em que o Legislativo aprovou, aqui, as mudanças que abrem portas à destruição da natureza, em Madri os chefes de Estado do mundo inteiro – ausentes, porém, os presidentes do Brasil e dos EUA – se comprometiam a abolir os combustíveis fósseis (a começar pelo carvão) ainda antes de 2050, única forma de defender a vida no planeta.
Por que esse desdém? Ao propor as mudanças que tornarão o Código quase que apenas um mero facilitador da destruição ambiental, o governo invocou dois pretextos – "modernizar o texto" e "permitir o progresso".
Em outubro, ao lembrar que as mudanças deviam ter amplo debate, a juíza Patrícia Laydner, em nome da Ajuris, ponderou aos deputados que uma "modernização" só teria sentido se acompanhasse os alertas da ciência sobre os perigos das mudanças climáticas, algo jamais pensado nem proposto.
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Em nome do "moderno", as modificações ao Código Ambiental adotam como regra o ultrapassado e arcaico. Em nome do "progresso" repetem absurdos que, dois séculos atrás, eram usados para defender a escravidão. Nos anos 1800, dizia-se que a escravatura trouxera "o progresso econômico" e que a abolição levaria o país ao caos…
Nos dois casos, o raciocínio é idêntico. A dignidade humana nada vale e só tem valor a cobiça do lucro para alguns poucos. Agora, porém, tudo é ainda mais grave. Não está em jogo só a dignidade humana, mas a vida na Terra como um todo.
Estamos assassinando a obra da Criação, seja ela a visão bíblica ou a do Big-Bang proposta pela ciência. Hoje, ciência e visão religiosa se unem para alertar à sociedade industrial de que o planeta é finito e que não pode ser sacrificado como um boi no matadouro para ser saboreado num churrasco de domingo. Aí estão os contínuos alertas do papa Francisco, que o secretário geral da ONU acentuou agora na reunião de cúpula de Madri. Aqui, porém, nos esbofeteamos uns aos outros, num roubo ao futuro, sem remorso.