Ocupado com as absurdas pequenezes do dia a dia, o Brasil não se vê a si mesmo. Agora, só os gritos lá da Europa nos fizeram ver as labaredas na Amazônia.
Cegos, não aprendemos com o alerta dos que, de longe, veem o perigo concreto que aqui nem notamos. Tomamos a cooperação como intromissão em nossa soberania, ou "esmola", tal qual diz nosso presidente da República. A crer no que ele afirma, parece até que Macron, na França, e Angela Merkel, na Alemanha, empunham tochas ardentes para invadir a Amazônia…
Nossas "queimadas" se acentuaram e se transformaram em gigantescos incêndios, porém, a partir do "sinal verde" que Bolsonaro (desde candidato) deu ao que ele chama de "expansão do agronegócio" na Amazônia. A região se encheu de cobiçosos-ignorantes que desmatam e incendeiam a floresta para vender madeira e "plantar". Matam bichos e destroem biomas riquíssimos utilizados na pesquisa médica.
Ignoram que o solo amazônico é pobre e sem nutrientes. Lá não há terras próprias a pastagem ou lavoura. Sem a floresta densa, tudo vira estéril após dois ou três anos de plantio.
Assim, desmatamento e queimadas farão da Amazônia um imenso Saara. E o horror do aquecimento global e das mudanças do clima (acentuados pela extração e uso do carvão mineral e petróleo) irá se acelerar.
Com Nero no bolso, seremos incendiários!
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Em 1946, em Paris, o bioquímico Paulo Carneiro, embaixador do Brasil na Unesco (ramo científico da ONU), propôs a criação do Instituto Internacional da Hileia Amazônica, para transformá-la em área de pesquisa "em prol da humanidade" e impedir a degradação.
A soberania política e territorial continuaria com cada um dos nove países da floresta. Mas a pesquisa e uso nos campos da botânica, zoologia, fisiografia, meteorologia, arqueologia, agricultura e afins seria guiada por critérios científicos do Instituto da Hileia.
O horror do aquecimento global e das mudanças do clima irá se acelerar
Anos depois, sob pressão popular, o projeto foi abandonado pelo próprio governo brasileiro, ao ser confundido, aqui, com "ameaça à nossa soberania", tolice repetida no Planalto, hoje.
O profeta Paulo Carneiro morreu em 1982, com Manaus já transformada em "zona internacional". Mas de grandes empresas de fora, que se aproveitam da mão de obra barata da Amazônia e pisoteiam a riqueza da hileia.
P.S. - Na última semana, ao comentar a audiência do Ministério Público sobre a Mina Guaíba, atribuí a Jorge Grabonsky, professor de Minas da UFRGS, o que a professora Márcia Kaeffer observou sobre as precárias amostras de poluentes apresentadas pela mineradora. De fato, ele disse que as técnicas modernas permitem reduzir os impactos do carvão e que, "na tradição centenária do RS, a Fepam tem capacidade e experiência para licenciar e fiscalizar tais projetos".