O Natal é festa do inesperado. Simboliza a verdade e a vida, que não têm data para se revelar, séculos afora. Aquele menino pobre nascido numa estrebaria trouxe tanta riqueza ao mundo (ao revolucionar a visão de vida e do sagrado) que, há 2018 anos, o 25 de dezembro é tempo de paz, amor e otimismo.
Não importa que essa criança nascida do amor (e, por isto, encarnado filho de Deus como ele próprio, já adulto, definiu sua Divindade) seja substituído pelo Papai Noel, sem torrão natal nem pai ou mãe definidos. Este engendro da sociedade de consumo sabe apenas presentear e ser presenteado. É a magia do vulgar sufocando o sagrado da religiosidade. Depois, é empanturrar-se e se embebedar na ceia de Natal...
Não importa que o presépio desapareça dos lares. Existe ainda nas igrejas, mesmo sem a terna criatividade da minha infância, em que o Menino na manjedoura extravasava amor, respeito e compaixão.
Nem importa que alguns cometam crimes ou proclamem "curas milagrosas", como se fossem símbolo da continuidade do Menino. O embuste é da condição humana. A falsidade provoca no embusteiro um gozo orgástico sem fim. No caso do pseudo "médium" João de Deus, o ardil e a impostura se unem em asquerosa abjeção. O estupro da própria filha de 10 anos define a perversão absoluta, nascida do grotesco machismo que assedia mulheres jovens ou idosas.
– Mas – indagarão – e as curas que ele fez e com que ficou rico, com sete fazendas e, até, muito dinheiro vivo em casa?
Contam os Evangelhos que, já adulto, quando chamado a curar, Jesus, filho de Deus-amor abençoava o enfermo e lhe dizia: "Tua fé te curou. Vai em paz".
A fé (ou que outro nome tenha) curou os que o hipócrita e falso "médium" João de Deus alegava ter curado. Nenhuma religião, crença ou filosofia ligada ao sobrenatural faz do dinheiro modo de vida. E, menos, de vida nababesca. Os espíritas e religiosos autênticos não alugam nem vendem caridade. A recompensa é praticá-la por amor.
O Deus do falso médium está só no apelido que ele se atribuiu.
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Passei, agora, cinco dias internado no Hospital São Francisco, do complexo da Santa Casa e, lá, no afeto e minuciosa dedicação dos cardiologistas Fernando Lucchese e Paulo Leães, e do neurologista Nelson Ferreira, de seus assistentes e enfermeiras, tive um Natal antecipado.
Mais do que tudo, vivi a solidariedade e o amor que, nos momentos difíceis, só a Medicina e a ciência nos podem dar.