A trapaça e o engodo, quando se juntam à adulação e pousam na vaidade humana, distorcem tanto a realidade, que nem a melhor ficção ousaria inventar maldade semelhante. Quando tudo ocorre perto de nós e envolve figuras próximas, o espanto explode como requintado horror.
Na última quinta-feira, dia 2, em cinco páginas, este jornal relatou uma fascinante história sobre o inigualável poder da fraude e da adulação: a trajetória do porto-alegrense Faustino da Rosa Junior, um apagado bacharel em Direito que a astúcia transformou em Magnífico Reitor de universidades de papel, que distribuíam diplomas sem jamais existirem.
O que ali chama atenção não é tanto o estilo do escroque astuto, que vive e age na mentira. Este tipo de gente tem sido comum ao longo da humanidade. São casos patológicos, atraentes mitômanos e megalômanos que escondem a perversão exteriorizando gentileza e "puxa-saquismo", como diz o povo. Faustino galgou altos postos com falsos diplomas de pós-graduação ou doutorado, mas nem isto, sequer, é o mais importante no fascinante relato de mentiras e fraudes em tudo o que fez.
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O que mais choca e entristece é constatar como a vaidade humana foi utilizada para ludibriar o poder político e a sociedade inteira.
Em 2015, o então prefeito da Capital, José Fortunati, foi agraciado com o título de "Doutor Honoris Causa em Gestão Pública" por uma das faculdades fantasmas de Faustino, num festejo público no Paço Municipal que abriu caminho a uma estreita relação entre ambos. Depois, Fortunati, antigo dirigente do sindicato bancário, virou "Reitor Magnífico" de uma das "faculdades" de Faustino, com sede na Avenida Bento Gonçalves.
A adulação abre mais portas do que qualquer chave mestra e o título de Doutor Honoris Causa foi distribuído a outras figuras. O autodenominado bispo Edir Macedo, chefe da Igreja Universal e da TV Record, recebeu o título de "Doutor em Teologia". O concessionário do SBT, Silvio Santos, o título de "Doutor em Comunicação".
E, talvez buscando futuro guarda-chuva protetor, até o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da investigação da Lava-Jato, foram feitos "Doutores em Direito" pelo fictício reitor da universidade inexistente.
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A bajulação é mais do que escada para atingir alturas. É o método, ou modo de vida, com que a mediocridade se pinta ou se mascara. Assim, chega onde, normalmente, jamais chegaria.
Nesta história rocambolesca, só a adulação explica que, em 2010, Faustino tenha sido nomeado membro da Comissão Técnica do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior, respeitado organismo do Ministério da Educação que acompanha e avalia o desempenho das diferentes faculdades país afora.
Lá chegou com falsos diplomas de doutorado e, em 2011, ao perceber que o falsário seria descoberto, renunciou. Mas já havia "avaliado" dezenas ou centenas de faculdades…
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No mesmo ano, deu ao conjunto de 10 salas no Partenon (onde o ex-prefeito Fortunati instalou-se como "reitor magnífico") o pomposo nome de Instituto Nacional de Ensino de Pós-Graduação e Extensão, em que "nacional" simula algo oficial. Pela internet, suas faculdades (Facinepe e, no Paraná, Facspar) avisam que recebem alunos "com processo seletivo constantemente aberto". Ou seja, é chegar e entrar!
E, na página do Ministério de Educação na internet, a tal Facspar informa "ter 637 tipos de especialização lato sensu", a maioria na área médica…
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Estes exemplos mostram como o ensino – tratado entre nós como mercadoria, sob o beneplácito dos governos – transformou-se em algo mais triste. É mercadoria falsa, pior do que as imitações de contrabando vendidas na rua.
Há duas semanas, o túnel que quase chegou ao Presídio Central mostrou a força e o fausto organizados do narcotráfico, interrompidos, porém, pela ação da polícia. Agora, o ensino surge como faustoso e escuro túnel a nos enganar como se fosse bela rosa.
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