Quem se salva? O tumor foi diagnosticado há tempos, mas é tão amplo, que o líquido purulento parece inesgotável e se espalha sem limites. Assim, falta muito a desvendar.
O pedido de impeachment de Dilma desvia a atenção de um detalhe fundamental - localizar a máfia que domina o Estado, na promiscuidade de diferentes círculos políticos com setores privados.
Se perdêssemos a memória, bastaria a última semana para conhecer as catacumbas do Brasil. Praticamente toda a cúpula política (do governo e da oposição) caiu na "malha fina" do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Por ordem alfabética: Aécio Neves, Dilma Rousseff, Eduardo Cunha, Lula da Silva e mais outros 29 figurões do PSDB, PMDB, PP e PT se somam à lista de futuros investigados por atos de corrupção ou obstrução da Justiça.
Como entender essa mistura em que Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Cunha, do PMDB - que chefiam a oposição no Senado e na Câmara -, estejam sob o mesmo crivo que Dilma e Lula, seus adversários acérrimos, do PT?
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O estamento político degradou-se, contaminado de perversão.
A decisão unânime do Supremo Tribunal suspendendo o mandato de Eduardo Cunha, do PMDB e presidente da Câmara de Deputados, gera confiança e otimismo mas é, também, espelho da degradação. Envolvido nos subornos da Petrobras, ele personifica a corrupção, mas seus colegas não o puniram. Escudado na "bancada evangélica", Cunha obstruiu todas as tentativas da Comissão de Ética e fez surgir a ironia grotesca: o Legislativo não pôde legislar sobre si próprio. O STF teve de atuar como "poder moderador" para evitar o absurdo...
Em dezembro de 2015, Janot o denunciou ao Supremo e pediu a suspensão do mandato. Nessa longa espera, Cunha (réu da Justiça) tornou-se articulador e condutor do pedido de "impeachment". Agora, foi substituído pelo vice Waldir Maranhão, do PP, também réu na Lava-Jato! Jamais a Câmara, representação do povo, aviltou-se tanto.
Nem na ditadura, quando foi subjugada à força.
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Mas, para fugir a esses desvarios, pensemos nas coisas boas que o trabalho e a iniciativa nos dão! A safra agrícola, com que o Brasil mais uma vez se superará com mais produção e tecnologia, nos afasta dos parasitas da politicalha. A começar pela soja, de novo vamos colher mais do que antes, apesar das chuvas intermináveis.
Mas nem isso se desliga da política e do pedido de impeachment. O Plano Safra foi a alavanca dessa expansão - em 2015, injetou mais de R$ 115 bilhões na agricultura, em subsídios a pequenos, médios e grandes produtores. Mas o pedido de "impeachment" considerou as subvenções como "operações de crédito" ou "pedaladas fiscais". E, como tal, puníveis como "crime de responsabilidade".
A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, explicou em minúcias esse erro à comissão do Senado que examinou o impeachment. Os agricultores pagam juros anuais de 7% a 8% ao Banco do Brasil, e o governo subvenciona os 30% restantes dos juros usuais. Não se trata de operação de crédito burlando a lei, mas de subvenção prevista em lei. Kátia, do PMDB, dirigiu a Confederação Nacional de Agricultura, é politicamente conservadora e deu um testemunho isento, sem laivos petistas.
Mas a safra de que o Rio Grande se orgulha virou alegação para alimentar o "impeachment".
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Os senadores-juízes começam, agora, a julgar o pedido de impedimento. O julgamento é político, acentuam todos, como se isto justificasse ser parcial ou definir-se por opção sectária. Se fosse assim, governo em minoria no Senado estaria sempre à mercê de cair.
O "juízo político" não é julgar pelo que se pensa ou se age politicamente. Significa, isto sim, que não se julga um crime comum nem se aplicam as penas do Código Civil ou do Código Penal, mas que se julga um crime praticado (contra a Constituição política) por alguém com atribuições de comando político.
Por isto, o "julgamento político" exige isenção total e absoluta, para não se tornar mais um tumor em nosso corpo político já tão enfermo de intolerância.
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