Quando eu era criança, por um curto momento cogitei que o ABBA fosse uma banda de Israel. Meu pai tinha em casa um LP com os maiores sucessos, e eu, que estudava em uma escola judaica, sempre lia o nome do grupo na capa como se quisesse dizer "pai" em hebraico, pois é exatamente assim: "aba". Cá pra nós, fazia sentido que o pai tivesse um disco sobre pais. Muito tempo depois, descobri que o nome do quarteto sueco era formado pela primeira letra dos nomes dos seus integrantes.
Naquela época, morávamos em São Paulo, mas os parentes estavam todos em Porto Alegre, então eu também cheguei a achar por um momento que a capital gaúcha era uma cidade só de judeus, uma espécie de Terra Prometida onde eu talvez pudesse algum dia me sentir entre os meus pares. A experiência da diferença cultural se deu desde o primeiro momento em São Paulo, pois éramos a única família judia do prédio de 18 andares em que morávamos.
É engraçada, e às vezes intrigante, a maneira como acertamos as contas com a identidade. Você pode tentar não dar bola, mas há momentos em que simplesmente é confrontado com uma situação — por exemplo, de hostilidade — e se vê compelido a se posicionar. Quem ouve uma inverdade ou um estereótipo sobre sua comunidade tem de estudar compulsoriamente a história para entender como são as coisas realmente.
Mas o que torna você exatamente um membro do seu grupo? Seria algum aspecto da sua aparência, da sua religião, do que você posta nas redes sociais?
O divertido site Jew or Not Jew brinca com isso. Há um "Jew Score" que classifica celebridades e figuras históricas em uma escala de judaísmo – dos nada judeus aos muito judeus. Os três critérios usados pelo Jew or Not Jew são: o quanto a pessoa é judia "internamente", o quanto o é "externamente" e o quanto os criadores do site querem que a pessoa seja judia. Este terceiro fator é o de que mais gosto porque explicita, com bom humor, certa arbitrariedade na ideia de pertencimento.
Não há uma resposta única, depende dos valores de quem julga. Certa vez, expressei a um casal de amigos religiosos, mas não ortodoxos, certa curiosidade sobre o que aconteceria com um judeu ateu que descobrisse, na hora fatal, que Deus realmente existe. Seria considerado um de nós? A mulher do casal de amigos olhou para mim e respondeu: "Com essa tua barba de judeu, não tem como Ele se enganar".