Estávamos em uma conversa de botequim que girava em torno da liberdade de expressão e seus limites, se é que devem existir. Entre uma cerveja e outra, alguns argumentavam que discursos de intolerância – contra minorias, por exemplo – deveriam ser aceitos socialmente, desde que não resultassem em violência física. A mim pareceu exótico o ponto de vista, uma vez que a história nos mostra que palavras de ódio fatalmente levam a violência concreta. Lembrei que o nazismo começou com a divulgação de ideias antissemitas – sim, no início eram "apenas" palavras.
Por isso, é difícil não ver o trágico massacre de 11 judeus em uma sinagoga em Pittsburgh, na Pensilvânia, como um fato correlacionado à crescente onda de intolerância no mundo, propagada, entre outras pessoas, por líderes populistas. Mesmo que o presidente dos Estados Unidos não seja, ele mesmo, um antissemita, uma vez instilada a raiva na população, é difícil controlar para onde ela será direcionada.
Na internet, muitos influenciadores preconceituosos foram banidos das redes sociais, mas se reorganizaram em torno de outras plataformas digitais sob o manto da "liberdade de expressão", onde encontram eco para suas pregações. É um debate complexo, mas a convivência em sociedade depende dessa negociação entre direitos e deveres.
Haveria uma ponta de esperança se uma tragédia como a de Pittsburgh servisse como gota d’água para uma conscientização sobre a urgência de estancar o discurso de ódio, sobretudo em nível governamental. Mas as primeiras reações do presidente americano sinalizaram o contrário. Trump colocou a culpa – adivinhe – na imprensa e voltou à carga contra os imigrantes.
Outra questão suscitada naquela mesa de bar citada no primeiro parágrafo foi a emergência de figuras públicas mundiais que assumem seus preconceitos e não seriam "hipócritas". O argumento é que muita gente seria preconceituosa e, quando alguns têm coragem de falar, os demais se sentem legitimados. A parte difícil de entender é por que as pessoas não questionam seus próprios preconceitos em vez de perpetuar o ódio por aí. Quando o Brasil parece estar envolvido nessa trama de intolerância, cabe a todos ficar vigilantes.