Enquanto nossa presença se torna cada vez mais virtual, fico um tanto comovido com a permanência de hábitos culturais antigos como ir a um espetáculo de teatro, ler um livro em papel e ouvir CD. Certo, o CD faz parte da vida digital, mas podemos considerá-lo tradicional no sentido de ser uma mídia física, diferente de um aplicativo de streaming, que só existe na rede.
Estou falando de três hábitos que ainda mantenho, mas sei que não sou o único. Em um mundo de transformações cada vez mais rápidas, virou moda decretar a morte das coisas – do teatro, da ópera, do rock. Mas normalmente quem assina o obituário é a pessoa que está por fora. Quem foi à peça Baixa Terapia, no Theatro São Pedro, viu casa cheia. Fico ainda mais comovido quando vejo produções gaúchas, sem atores globais, com ótimo público. Foi o caso da ópera O Quatrilho, também no São Pedro, e de espetáculos de teatro e dança que vi recentemente.
Algumas invenções, como o teatro e a dança, são tão geniais que nenhum avanço tecnológico as substitui – pelo contrário, apenas expande suas possibilidades, como comprovam montagens que fazem uso de vídeos e projeções. Mesma coisa com o livro. Cada vez mais pessoas adotam os e-readers, mas não é preciso se esforçar muito para encontrar gente lendo e comprando o velho volume de papel – por mais que amasse, rasgue e às vezes pese. Uma pesquisa do Pew Research Center divulgada em março constatou que 67% dos americanos leram um livro impresso nos 12 meses anteriores, enquanto apenas 26% leram um e-book. Se compararmos com a velocidade com que as mídias físicas foram trocadas pelos serviços de streaming nas áreas da música e de filmes/séries, a continuidade do livro em papel é um fenômeno a ser considerado. Talvez a gente ainda sinta falta de poder tocar as coisas com as nossas mãos.
Para estimular esse lado fetichista do público, os músicos têm apostado cada vez mais em pacotes criativos para vender CDs – embalagens, encartes, objetos de desejo. Não é difícil entender que a arte tem a ver com as coisas bonitas da vida.