Há algo deliciosamente satírico nos judeus das comédias televisivas, como os irmãos Ross e Monica Geller (David Schwimmer e Courteney Cox), de Friends; Grace Adler (Debra Messing), de Will & Grace; o judeu não assumido Paul Buchman (Paul Reiser), de Mad About You; e, claro, Jerry Seinfeld, interpretando uma versão de si mesmo na série que leva seu sobrenome.
Nessa galeria de personagens inesquecíveis, apenas para citar séries recentes, a Rebecca Bunch de Crazy Ex-Girlfriend é uma bem-vinda nova integrante. Talvez não tão nova, pois a série disponível na Netflix começou em 2015, mas segue com novos episódios – a quarta e última temporada está confirmada para 2019.
Interpretada com graça e espirituosidade pela atriz Rachel Bloom (também criadora da série, ao lado de Aline Brosh McKenna), Rebecca é uma jovem e bem-sucedida advogada de Nova York que acaba de ser convidada para ser sócia do escritório, mas, ao receber a aguardada proposta, decide largar tudo para se mudar para a provinciana cidade de West Covina, na Califórnia, em busca de Josh Chan (Vincent Rodriguez III), um ex-namorado de adolescência.
Rebecca jamais admite para si mesma e para os demais que Josh foi o motivo da mudança (sua desculpa oficial é que recebeu uma proposta de trabalho irrecusável), mas ambiguidades como essa conferem à série um senso de humor perspicaz que a diferencia de outras comédias românticas, incluindo números repletos de ironia que subvertem o gênero musical. Na própria vinheta de abertura, Rebecca questiona se o título da série ("ex-namorada louca", em português) não seria um termo sexista.
Sem ser preconceituosa, mas tampouco careta, Crazy Ex-Girlfriend brinca com as identidades pós-modernas – não apenas a judaica – de forma descompromissada. Prova disso é o particularmente divertido episódio em que Rebecca aprende por conta própria a preparar um prato típico filipino, o dinuguan, para tentar agradar a família de Josh no Dia de Ação de Graças.
Bem, até agora não escrevi muito sobre a judeidade de Rebecca, mas uma das boas sacadas da série é o fato de esse aspecto não ser reforçado o tempo todo – como ocorre também nos programas citados no primeiro parágrafo. Rebecca tenta superar a todo momento as cobranças da mãe e a ausência do pai, que abandonou a família quando ela era criança, e sua personagem se torna interessante justamente porque tenta fugir do que se espera de uma boa garota judia.
Se o Alexander Portnoy de O Complexo de Portnoy, de Philip Roth, lutava contra a repressão sexual de sua criação judaica, a "loucura" de Rebecca Bunch é decidir se livrar, de uma hora para outra, de tudo que os outros esperam que ela seja. Afinal de contas, ela é humana, divertidamente humana. Atire o primeiro gefilte fish quem nunca fez algo de que se arrependeu.