Um grande mal acomete os debates do nosso dia a dia: a desmoralização do adversário. Refiro-me às situações, cada vez mais frequentes, em que se atribui um defeito ético à posição ideológica do interlocutor. Um exemplo? Quando se diz que pessoas de esquerda são hipócritas ou que pessoas de direita são fascistas. Embora possa ser verdade em alguns casos, não se pode generalizar. Adversário não é inimigo.
Não estou tão interessado aqui nos bate-bocas entre políticos de partidos adversários, momentos em que muitas vezes nenhum dos lados realmente tem moral, mas nas conversas em mesas de bar ou nos almoços de família. Sim, é verdade que estes convivas fariam melhor em encontrar outros assuntos, talvez mais suaves, mas, no caso em que isso não é uma opção, deveria ser possível estabelecer um debate saudável. A atribuição de um problema moral à pessoa que está mais à direita ou mais à esquerda de você é o primeiro passo para o fim de qualquer discussão civilizada. É preciso reconhecer quando a posição do outro, mesmo sendo bastante diferente da nossa, é legítima. Tentar olhar as coisas por outra lente, em um exercício de alteridade, para entender um ponto de vista alternativo. Não custa nada se esforçar.
Faz pouco tempo, mas muitos de nós temos saudade de 2013, quando pessoas de diferentes pontos de vista saíram às ruas (ou apoiaram aqueles que saíram) com uma espécie de pauta unificada pela melhoria dos serviços ofertados à população em troca dos vultosos impostos pagos. Como todos lembram, pouco depois as militâncias se dividiram entre os verde-e-amarelos e os vermelhos, cada uma adotando sua agenda singular.
Pesquisas têm revelado, no entanto, que os brasileiros têm opiniões mais complexas do que supõe essa divisão. Em artigo recente, o professor Pablo Ortellado cita algumas das reivindicações em comum: a crítica à reforma da Previdência em pauta no Congresso e a melhoria de serviços públicos de saúde e educação. Levantamento realizado pela Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT, revelou que moradores das periferias de São Paulo admiram Lula, Silvio Santos e João Doria Jr. Entendo que a maioria da população não compra a vitimização de Dilma Rousseff por parte da esquerda, nem a louvação a Michel Temer pela ala liberal. Ambos são figuras extremamente impopulares, fato comprovado em números.
A direita precisa reencontrar um espaço de diálogo com a sociedade para estabelecer um ponto de equilíbrio em suas posições, enquanto a esquerda precisa realizar uma profunda autocrítica para criar uma agenda propositiva. Mudanças sociais são realizadas com intensa mobilização. Para que isso ocorra, é preciso superar algumas diferenças.