Se você viveu neste mundo nos últimos anos, certamente notou que comportamentos antes tolerados e até incentivados em certos círculos agora não são mais socialmente aceitos. De repente, ser preconceituoso com mulheres, gays, negros e indígenas, mesmo por meio de uma piada supostamente inocente, passou a repercutir negativamente como nunca.
Empreguei "de repente" como força de expressão, claro, pois essa mudança não ocorreu de uma hora para outra (embora tenha parecido assim a alguns). Foi fruto de décadas e mais décadas de conscientização. Muito se estudou e se protestou para que essas categorias fossem tratadas em pé de igualdade com as demais.
Falando assim, até parece que essa transformação está consolidada, mas estamos longe disso. Trata-se de um paradigma que deve ser reforçado a cada dia, minuto a minuto. E há pessoas notadamente contrariadas – na falta de melhor definição – com o que está ocorrendo.
Para os contrariados, o culpado de tudo é o politicamente correto, que restringe a liberdade de expressão: a liberdade de contar piadas machistas, de usar as palavras "bicha" e "viado" como xingamento, de compartilhar memes racistas, de dizer que as terras indígenas devem ser confiscadas.
Os contrariados são nostálgicos de um mundo em que se podia ser preconceituoso impunemente, pois assim foram criados. Criticam o que consideram politicamente correto porque se recusam a repensar seus pontos de vista. Se assim o fizessem, entenderiam que não há cartilha alguma. Há, isso sim, um convite à reflexão.
Como os contrariados se sentem reprimidos, falam à boca pequena o que não podem declarar em uma palestra ou em uma postagem de Facebook. Assim, figuras públicas que expressam abertamente seus preconceitos são louvadas por "dizerem o que pensam". Julgando os outros à sua medida, os contrariados acreditam que todos são preconceituosos no seu íntimo.
Quando o sentimento de desajuste em relação à nova realidade é exacerbado, culpam-se determinados grupos pelas mazelas do mundo. Um candidato à presidência pode ser admirado ao atribuir aos imigrantes os problemas de um país. Aos olhos dos contrariados, as minorias estão reivindicando privilégios. Mas sabemos que, na verdade, estão apenas lutando por igualdade de direitos e oportunidades.
Há quem pense que se trata de um grande mimimi. Que o mundo está ficando chato. Que tem cheiro de censura no ar. Os contrariados acreditam que está sendo tramado um grande complô para usurpar-lhes a prerrogativa de serem quem são.
O politicamente correto já foi acusado de ser responsável por muita coisa, mas talvez seja o caso de procurar a verdadeira culpada: a ignorância.