Qual é a coisa mais abominável que um casal pode fazer junto? Você pode pensar em muitas respostas criativas ou até bizarras, mas garanto que nada choca mais do que a decisão de não ter filhos. Sim, isso mesmo. Fazer uso do livre arbítrio e simplesmente optar por não gerar herdeiros. Que horror.
É verdade que os tempos mudaram nas últimas décadas: as mulheres entraram no mercado de trabalho (embora ainda restem conquistas como a igualdade salarial), a internet chegou para a nossa alegria (e desespero, em alguns casos), o Inter caiu para a Segunda Divisão (sem comentários), mas um casal sem filhos, ah, um casal sem filhos precisa explicar bem explicadinho que trauma o levou a essa decisão tão desumana e precipitada. As reações são mais ou menos essas: "Você está falando isso agora, mas um dia vai querer ter filhos", "Quem vai cuidar de você quando ficar velho?", "Você tem algum problema de saúde?".
Pessoas que não querem procriar: que figurinhas curiosas. São julgadas moralmente, percebidas como egoístas, frias ou malucas mesmo. Mas alguns mitos precisam ser desfeitos. Eis aqui algumas verdades: elas adoram os bebês fofinhos e as crianças prodígio dos outros, apenas não querem ter os seus; são generosas, cultivam amizades, contribuem para a economia; e jamais condenam casais com filhos, tampouco saem por aí pregando a não fecundidade. A bem da verdade, não é o fato de ter ou não filhos que sinaliza egoísmo ou generosidade. Seria muita falta de espírito julgar as pessoas devido a uma decisão de vida.
O fato é que os arranjos familiares estão mudando no país. O Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça divulgado recentemente pelo Ipea, com dados do IBGE, mostra que os domicílios com casal sem filhos correspondiam a 19,9% dos arranjos familiares em 2015, um crescimento em relação a 2005 (15,2%) e a 1995 (12,9%). Devemos ter cautela com esses números. Eles refletem também casais cujos filhos não moram mais em casa e casais que ainda não tiveram filhos mas pretendem ter, por exemplo.
Mas é evidente que mudanças estão em curso, como o aumento nos domicílios com apenas uma mulher (de 4,1% em 1995 para 7,3% em 2015) e um homem (de 3,8% em 1995 para 7,2% em 2015). Já os casais com filhos morando junto caíram de 57,7% em 1995 para 42,3% em 2015.
Afinal de contas, por que alguém na Terra decidiria não ter filhos? Porque a vida, bem, a vida é cheia de possibilidades.