No anoitecer de quarta-feira (9), o país inteiro clicou avidamente em um arquivo em formato PDF que viajou pelos celulares de dezenas de milhões de brasileiros. Era o ofício 29.126 expedido pelo ministro da Defesa, general de exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, 64 anos. Endereçado ao ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o documento trazia, em sua linha de assunto, as seis palavrinhas mais esperadas desde o final do segundo turno da eleição presidencial de 2022: "Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação".
Muitos, para cortar caminho em meio a íngremes 65 páginas, correram às páginas dos portais de notícias. Em um deles, ícone do autoproclamado "jornalismo profissional", lia-se "Defesa entrega relatório ao TSE e não aponta fraudes". Em outro, jazia em um canto de página uma minúscula chamada: "Relatório da Defesa não aponta fraude em eleição".
Para aqueles que torceram por Lula, declarado vitorioso pelo TSE, alívio. Vida que segue, e deixe-se para lá qualquer questionamento. Melhor não mexer com isso.
Para todos os outros, o que inclui aqueles que não se conformam com o supremo triunfo de um ex-condenado por corrupção e lavagem de dinheiro e, ainda, os críticos de um sistema eleitoral inauditável, restou o ver-para-crer: o exame do "Relatório Técnico" do Ministério da Defesa. E logo nas primeiras páginas, o que se vê é uma ressalva intrigante. Escreveu o general, em seu preâmbulo: "Assinalo que o trabalho restringiu-se à fiscalização do sistema eletrônico de votação, não compreendendo outras atividades, como, por exemplo, a manifestação acerca de eventuais indícios de crimes eleitorais". O cidadão comum pergunta, já que a imprensa não o faz: "Por quê?".
"Do trabalho realizado, destaco dois pontos", prosseguiu o ministro. "Primeiro, foi observado que a ocorrência de acesso à rede, durante a compilação do código-fonte e consequente geração dos programas (códigos binários), pode configurar relevante risco à segurança do processo. Segundo, dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento."
O relatório sugere que o TSE faça uma investigação técnica para apurar o que ocorreu na compilação do código-fonte e seus possíveis efeitos, e que promova, ainda, uma "análise minuciosa dos códigos binários que foram executados nas urnas eletrônicas".
Parecem conclusões graves, e são. O relatório poderia ter sido ainda mais contundente se o TSE não tivesse imposto sérias restrições ao plano de fiscalização sugerido pelas Forças Armadas. Entre as restrições mais bizarras, ou escandalosas, está a de haver obrigado os técnicos do Comando de Defesa Cibernética a acessarem a Sala de Inspeção do TSE munidos somente de papel e caneta, o que — segundo o relatório — dificultou "a inspeção de um sistema complexo que possui mais de 17 milhões de linhas de código-fonte".
Em bom português, o sistema eleitoral brasileiro é uma caixa-preta a ser aberta e desvendada quando a nuvem de opacidade e autoritarismo judicial que baixou sobre o Brasil for dissipada.