O mundo livre realiza eleições sem a necessidade de um "tribunal superior eleitoral". A existência de uma corte política com o poder e a forma de atuação do TSE brasileiro é, portanto, um caso único, seja pela estrutura e orçamento paquidérmicos ou pelo vasto alcance de suas decisões. Claro, podemos pensar que tudo tem uma razão de ser e que a justiça eleitoral prestou um serviço valioso ao país quando veio combater, ainda nas primeiras décadas do século 20, um processo de escolha dos representantes do povo viciado pelo coronelismo e o infame "voto a cabresto", entre tantas outras mazelas. Justamente por ter tido esta importância histórica é que a atuação de um tribunal específico foi-se consolidando na memória e na consciência das pessoas como algo normal e até desejável, e não como uma extravagância brasileira.
Esta percepção popular está mudando em desfavor da justiça eleitoral, por uma razão simples. Inebriado pelo poder sem freios e por um vedetismo que não se coaduna com o papel da magistratura, o tribunal deixou de ser um árbitro, e passou a ser parte. Ao tomar partido no processo político que define os destinos da nação, o TSE, pelas palavras e atitudes de seu atual presidente e do ministro que em breve o sucederá no comando da corte, será um fator de instabilidade, e não de pacificação, no pleito de 2022.
Milhões de brasileiros que saíram às ruas no dia 7 de setembro de 2021 tinham, entre suas reivindicações, a defesa de um aprimoramento do processo eleitoral brasileiro — a adoção do comprovante impresso do voto eletrônico, medida imprescindível a se considerar a desatualização tecnológica das urnas eletrônicas adotadas pelo Brasil e, naturalmente, o risco crescente de ataque à integridade do sistema, algo de que não estão livres nem bancos, nem megacompanhias, nem governos. Mas o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, se manteve impávido diante dos questionamentos, e adotou duas estratégias inaceitáveis para um julgador. No bastidor, reuniu-se com líderes partidários e, como em um passe de mágica, arrancou deles a decisão de substituir membros da comissão parlamentar que examinava — com tendência de aprovação — a proposta de emenda constitucional para introduzir o comprovante impresso do voto eletrônico. Com a nova composição, a comissão rejeitou a PEC, e ficou no ar uma pergunta: que pressão irresistível um membro do Judiciário pode fazer sobre chefes partidários para que capitulem e obedeçam à sua vontade? Pesquise sobre foro privilegiado, ou "foro por prerrogativa de função". É um bom começo.
À luz do dia, o que o ministro Barroso fez foi distorcer abertamente os argumentos dos defensores da PEC, tentando atribuir a eles a defesa da volta do voto impresso — desonestidade que, lamento dizer, veículos de imprensa tradicionais acolheram.
Agora, sem explicação para a invasão de um hacker ao sistema do TSE em 2018 — assunto para uma próxima oportunidade —, Barroso sugere, com seu pedantismo habitual, que aqueles brasileiros em dúvida sobre a proclamada invulnerabilidade do sistema de votação e apuração dos votos têm "limitação cognitiva".
Seria mais exato se dissesse que os brasileiros têm limitação de acesso ao que realmente se passou em 2018 e explicasse por que dados fundamentais para o esclarecimento dos fatos foram apagados. Sem informação, e sem transparência, como pode haver cognição, ministro?