Embora nutra enorme simpatia pelo budismo e ache a máxima “aqui e agora” o máximo, o fato é que sempre preferi viver lá e outrora, ou acolá e depois. Verdade verdadeira: sempre me senti deslocado na época em que nasci – para não falar no país, no Estado, na cidade e, é claro, no bairro. Ainda bem que nas asas da imaginação, num sem fim de vezes, me encontro bem longe daqui, no tempo e no espaço.
Meu refúgio favorito, desde os 10 anos de idade, sempre foi o Egito na época de Ramsés II. O mais admirável governante da história em todos os tempos e lugares, aquele que descarada e impunemente a Bíblia e Hollywood transformaram em vilão, comparando-o com gente que jamais chegou a seus pés. Ramsés, o Grande, governou o Egito por mais de 60 anos (de 1290 a 1224 a.C.), época de expansão e prosperidade, sem povos escravizados, pois mão de obra escrava sempre foi raríssima no Egito dos faraós. Rogaram-lhe 10 pragas. Mas elas só pegaram na ficção e no cinema. E nunca queimaram meu filme com ele: eu li os livros certos.
Outro lugar e época em que umas tantas vezes escolhi para não ficar nem aqui nem agora é a Al-Andalus, entre as cintilações proporcionadas pelo Califado de Córdoba e pelos sultões da dinastia Nasrida (senhores do palácio de sonhos da Alhambra, em Granada), em meio a uma arquitetura de sublime esplendor, com astronomia, medicina, álgebra, poesia de inaudito refinamento e forte teor erótico ou religioso; música profana e sacra, criação de cavalos “árabes”, bálsamos e perfumes de inebriante aroma, banhos “turcos”, xadrez, plantio em degraus e irrigação arrojada; as almofadas, tapetes e azulejos; o sexo simultaneamente sagrado e tórrido, as banheiras de mármore, as janelas “manuelinas” enquadrando os alvos cumes da Serra Nevada; os rios sussurrando como se gratos por virarem canais translúcidos e, é claro, os primeiros hospitais, bibliotecas e universidades públicas de que se tem notícia. Tudo fruto da Idade de Ouro Islâmica, antes dos horrores que sobrevieram.
Também gosto de viver em Upolu, uma das ilhas de Samoa, na Villa Vailima, a linda casa de madeira construída por Robert Louis Stevenson, um de meus escritores favoritos, e um dos favoritos de Jack Kerouac também. Kerouac, que em On the Road, o livro que traduzi, escreveu: “Num entardecer lilás caminhei com todos os músculos doloridos pelo bairro negro de Denver, desejando ser um negro, um imigrante mexicano, um pobre japonês sobrecarregado de trabalho, qualquer coisa, menos aquilo que eu tão aterradoramente era: um branco desiludido”.
Acabou meu espaço e não tenho tempo para dizer onde gosto de viver quando me mudo para o futuro. Mas posso dizer que é num país decente, sem tanta gente medonha. Mesmo que agora isso pareça ser o futuro do pretérito.