Nos tempos em que a escola tomava partido, os professores eram doutrinadores e os alunos sofriam lavagem cerebral – com os pais mantendo-se alheiros ou coniventes com essa pouca vergonha –, aprendi o significado da palavra “sesquicentenário”. Também decorei a canção que dizia: “Potência de amor e paz/ Esse Brasil faz coisas/ Que ninguém imagina que faz/ É Dom Pedro I, o Dom Pedro do grito/Esse grito de glória, que acorda a história/E a vitória nos traz”. Era 1972, eu estava na 4ª série do ginásio e a “potência de amor e paz” prendia, torturava e matava nos porões da ditadura – essa mesma que certos canalhas voltaram a defender, sendo que alguns ameaçam faze-lo nesse 7 de setembro. Tomara que sejam punidos – dentro da lei.
Mas o fato é que, embora o presidente em 1972 fosse Garrastazu Medici e os tempos estivessem definitivamente sombrios para qualquer livre-pensador, o regime militar foi capaz de planejar, organizar e executar (ops!) uma série de eventos memoráveis para comemorar os 150 anos da Independência do Brasil. Claro que não estou me referindo só à Mini Copa – a incrível réplica de Copa do Mundo que trouxe grandes seleções ao país e foi vencida pelo Brasil numa inacreditável final contra a Portugal. Falo dos mais de 50 livros editados, dos seminários, dos debates e, acima a tudo, do fato de os restos mortais de D. Pedro I terem sido trazidos de Portugal e, após apoteótica (e nada funérea) turnê pelo Brasil, serem sepultados no monumento às margens (já nada) plácidas do riacho Ipiranga, em São Paulo.
Comemorar, é bom distinguir, não significa “festejar” – ou pelo menos não só isso. Comemorar quer dizer rememorar coletivamente. Ou seja, refletir em conjunto sobre o significado de uma efeméride. Com relação à independência – e aí está tema que estudei um bocado –, o Brasil já havia feito isso em 1872, quando, no cinquentenário do Brado do Ipiranga, D. Pedro II decidiu celebrar o próprio pai, e em 1922, com uma espantosa exposição em homenagem ao centenário de 1822. Ainda assim, nunca se publicou e se refletiu tanto sobre determinados aspectos daquele rompimento – em especial o papel desempenhado nele pelos militares – como no tal sesquicentenário, em 1972.
Mas em termos de sucesso popular nada suplantou o filme Independência ou Morte, de Carlos Coimbra. Feito nos tempos de ouro da Embrafilme e com Tarcísio Meira, o eterno Capitão Rodrigo, no papel do príncipe regente que, ao desembainhar a espada, lançar laços fora e bradar o grito do Ipiranga, virou “imperador e defensor perpétuo do Brasil”, acredito que o filme teria emocionado até o capitão Lamarca e o rebelde Carlos Marighela – isso, é claro, se eles já não tivessem sido assassinados pelos militares, que, aliás, não eram da mesma cepa dos de 1822. Como, por sinal, também não são os de hoje.