A descoberta do Brasil por Pedr’Álvares Cabral, em abril de 1500, começou meio século antes e a 10 mil quilômetros de distância das areias faiscantes de Porto Seguro. No dia 29 de maio de 1453, um jovem sultão reveladoramente chamado Maomé II entrou em Constantinopla, na atual Turquia, por uma avenida de sangue e morte. Trajando robe imaculadamente alvo, e recendendo a unguentos, tomou posse da antiga capital do Bizâncio, a majestosa cidade que, desde o ano 330, era capital do Império Romano do Oriente. Apesar dos saques e massacres perpetrados antes, durante e após a fragosa batalha que se prolongou por 53 dias, Maomé II não era um sanguinário intolerante. Pelo contrário: aos 20 anos, era conhecido pela sabedoria, a tolerância e o discernimento.
Embora tivesse prometido três dias de saques após a vitória, suspendeu a ordem ao perceber o custo em vidas e patrimônio que o vandalismo estava provocando. Antes disso, o sultão – também chamado de Fathi (“o Conquistador”) – descera de seu cavalo “árabe” aos pés da fabulosa basílica de Santa Sofia, ou Hagia Sophia (a “Sagrada Sabedoria”) e adentrou à igreja onde, dias antes, teólogos cristãos se engalfinhavam em ferrenha discussão sobre... o sexo dos anjos! Maomé II suspendeu o morticínio de padres e freiras e de imediato converteu a igreja em mesquita. Foi o fim de uma era – e o início de outra. Historiadores acham que a Idade Moderna começou naquele 30 de maio de 1453.
Farto da intransigência dos cristãos – que desde sempre atacavam o Islã (cabendo lembrar que o saque à Santa Sofia perpetrado em 1202, durante a Quarta Cruzada, pelos próprios cruzados, fora ainda pior) –, Maomé II bloqueou a milenar rota de comércio que, via Constantinopla, abastecia a Europa com as especiarias do Oriente. Foi o que levou genoveses e florentinos a investir nas expedições marítimas dos portugueses, para que eles contornassem a África e encontrassem a “passagem marítima para as Índias”. O Brasil foi pouco mais do que um acidente de percurso no meio do caminho.
Em 1934, Santa Sofia passou a ser um museu – um sagrado museu. Foi o ponto de partida para o fortalecimento do Estado laico na Turquia. No último dia 10 de julho, há uma semana, o ditador turco Recep Erdogan, há 18 anos no poder, reconverteu Hagia Sophia ao status de mesquita. Foi uma decisão claramente populista, para reforçar seus laços com a ala radical do Islã e afastar o foco de seu fracasso no combate ao coronavírus e do fiasco político e econômico de sua ditadura.
Parece que o passo seguinte será a retomada do debate sobre o sexo dos anjos.