Em meio aos escombros da velha Germânia, mal recuperada da invasão napoleônica e onde a revolução industrial já sussurrava que a máquina viria substituir a mão, milhares de camponeses desvalidos preferiram dar ouvidos a outro boato: "Quem quiser viver mais uma vez feliz deve viajar para o Brasil". O convite aliciante fazia parte da estratégia do major Jorge Antônio von Schäffer, encarregado por José Bonifácio de recrutar alemães e trazê-los para o sul do Brasil. Em Hamburgo, Schäffer fez publicar o livro Brasilien, listando as vantagens de trocar a Europa pela América e oferecendo 77 hectares de terra virgem por família, mais ferramentas, gado e sementes, além de auxílio financeiro nos dois primeiros anos e isenção de impostos por 10. Mas havia um preço a pagar: por exigência do governo alemão, aqueles que partissem para o Brasil deveriam renunciar à sua cidadania. Era uma jornada só de ida.
E assim, amparados nas mesmas promessas (vazias), encarando o mesmo oceano (revolto), vencendo a mesma barra (diabólica) e ancorando no mesmo porto (ainda pouco alegre), as primeiras seis famílias alemãs, mais quatro solteiros, vivenciaram, em 1824, a mesma epopeia que os "60 casais" açorianos tinham vivido 70 anos antes. A diferença é que, para os germânicos, o trêmulo trapiche localizado na Praça da Alfândega não era o ponto final daquela viagem sem volta. Era só uma escala: lanchões logo os levaram a serpentear pelo Rio dos Sinos e, no dia 25 de julho de 1824, eles foram largados na barranca onde viria a nascer São Leopoldo, assim batizada em honra à imperatriz Dona Leopoldina.
Os 39 pioneiros, homens, mulheres e crianças, ficaram provisoriamente alojados na Casa da Feitoria, que desde 1788 sediava a Real Feitoria do Linho Cânhamo, então desativada. Ali, os alemães esperaram mais de ano até terem seus lotes demarcados e perceberem que, além da terra, nada mais receberiam _ nem mesmo a isenção de impostos. Não deixa de ser surpresa, portanto, que quase 200 anos após terem construído um pujante núcleo industrial e fundado várias cidades no Vale do Sinos, sempre a pagar impostos escorchantes, os descendentes dos alemães ainda esperassem algo de um governo que jamais cumpriu suas promessas. Ou alguém achou que o poder público iria manter a hoje chamada "Casa do Imigrante", museu desde 1982 e em estado de decrepitude desde 2014?
Pois, agora, a casa caiu. Se o sangue daqueles pioneiros corresse em minhas veias, juro que não iria esperar pelas autoridades para ajudar a reerguê-la.
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Antes do desmoronamento físico, esta coluna seria sobre o desmoronamento ético de um presidente que parece ainda não ter se acostumado com a chamada "liturgia do cargo". Mas resolvi não me meter nesse buraco, nem enfiar meu dedo num assunto indigno até de golden shower, seja lá o que isso for. Estou pensando até em ligar para Alexandre Frota e perguntar. Ex-ator pornô, ele haverá de saber.