Foi na Andaluzia, no sul da Espanha, que o mundo viveu, ouso dizer, seu apogeu. O reino islâmico que brotou em torno da cidade de Granada foi um inigualável e transcendente exemplo de tolerância religiosa, sucesso econômico e habilidade política. Era um lugar mágico, cujo símbolo bem poderia ser a Alhambra, o castelo de sonhos em que cada parede era um poema sacro, cada fonte murmurante um jorro de abundância e no qual cada fragrância de jasmim exalada em seus muitos jardins rescendia o perfume da harmonia.
Granada — e por consequência a Alhambra —, caiu no dia 1º de janeiro de 1492. Dez meses depois, a 12 de outubro, financiado pelo ouro então tomado aos árabes, Cristóvão Colombo "descobriu" a América – e os conquistadores que vierem em sua esteira puderam, eles próprios, saquear o ouro dos astecas, maias e incas.
Aquele ouro e aquelas conquistas deram aos reinos de Castela e León, então unificados pelo casamento dos reis católicos Fernando e Isabel, o poder não só sobre o mundo atlântico que nascia — mas sobre todos as demais regiões da Espanha: a audaz Catalunha, o enigmático País Basco, a árida Extremadura, e La Mancha, em guerra com moinhos.
A prepotente Isabel de Castela mandava em tudo e em todos, inclusive, é claro, no marido. Ela era uma espécie de aiatolá Khomeini em sua obsessão purificante e hegemônica. Não havia lugar para dissidência no reino dela, e a tolerância árabe pulverizou-se qual fábula das mil e uma noites.
Não sei para que time essa Isabel torcia, mas sei que o castelo dela ficava em Madri. Também sei que o generalíssimo Franco — espécie de sucessor dela — era Madrid fanático. E que ele muito ajudou ao tal Real ao longo de sua ditadura de quase meio século. Foi assim que o Real se tornou uma potência mundial — invejada por alguns, desprezada por outros.
O Madrid é um símbolo da jactância castelhana —sem falar de sua prepotência armada. De Isabel a Franco, passando por esse tal de Sérgio Ramos, zagueiro que joga pela esquerda e tem alma de direita, o Real constitui um escarrado caso de abuso de poder.
O Al-Andaluz da tolerância islâmica, a Catalunha livre, os bascos (e os vascos e os cascos), os quixotes de la Mancha estão todos com o Grêmio. Uma vitória tricolor hoje, em Abu Dhabi, é a vitória da liberdade, da superação, da decência. E é, acima de tudo, uma vitória farroupilha.
Por isso achei auspicioso ver, circulando pelo hotel, Fernandinho, Grohe e Everton. Eles vestiam jeans. Jeans aos farrapos. Como a bandeira da República do Piratini – que se insurgiu contra o rapinismo da corte. Como se fosse a corte do arrogante império castelhano.