Quando nossos antepassados mais próximos desceram das árvores nas savanas da Etiópia, encontraram a fome em toda a parte. Essa realidade se manteve por milhões de anos.
Naqueles tempos, na disputa com outros carnívoros por carcaças de animais mortos, nosso metabolismo aprendeu a não desperdiçar energia e a transformar em reserva de gordura todas as calorias ingeridas em excesso. Os que nasceram sem essa capacidade foram eliminados pela seleção natural.
Às custas de malabarismos metabólicos, nossa espécie conseguiu chegar à segunda metade do século 20, época a partir da qual os avanços da tecnologia permitiram assegurar alimentos de boa qualidade para grandes massas populacionais. Um animal descendente dos que sobreviveram às pandemias de fome não estava preparado para viver na fartura.
Quando emagrecemos, o cérebro entende que corremos risco de morte por inanição e faz o diabo para cairmos na tentação de recuperar os quilos perdidos.
O despreparo se revelou em três comportamentos principais: a preferência por alimentos altamente calóricos, a capacidade de ingerir mais calorias do que o necessário e a preguiça para andar num mundo que conspira a favor do sedentarismo.
Não podia dar certo. A obesidade se tornou a condição crônica mais prevalente do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, existe 1 bilhão de habitantes com peso excessivo, 500 milhões dos quais caem na faixa da obesidade.
No Brasil, 57% da população está na faixa de excesso de peso ou obesidade. Nos Estados Unidos são quase 80%, no México, mais de 70%; os índices aumentam nos cinco continentes.
A facilidade dos seres humanos para ganhar peso contrasta com a dificuldade para perdê-lo. Quando emagrecemos, o cérebro entende que corremos risco de morte por inanição e faz o diabo para cairmos na tentação de recuperar os quilos perdidos.
Nesse contexto, a indústria farmacêutica desenvolveu medicamentos capazes de provocar perdas significativas do peso corpóreo, pela primeira vez na história da medicina. O sucesso comercial foi imediato e retumbante. A Novo Nordisk, empresa dinamarquesa que fabrica o Ozempic, é a mais valiosa da Europa. Seu faturamento anual é mais alto do que o PIB da Dinamarca.
Na literatura médica, começam a ganhar corpo as críticas a esse uso indiscriminado: o emagrecimento induzido pela droga estará associado à melhora do estado de saúde? Agências internacionais regulatórias, como o FDA americano e a Agência Europeia, não deveriam avaliar outros parâmetros além da simples redução do número de quilos?
O acúmulo de gordura visceral, por exemplo, guarda relação direta com a incidência das doenças crônicas mais letais: ataque cardíaco, AVC, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer.
O Índice de massa corpórea (IMC) é uma medida grosseira: pode diminuir por perda de músculos, sem haver alteração da quantidade de gordura intra-abdominal. A perda excessiva de musculatura em relação à quantidade de gordura, leva a uma condição conhecida como obesidade sarcopênica, na qual o IMC cai sem trazer benefícios metabólicos, pelo contrário, está associada a aumento de mortalidade e do risco de déficits funcionais incapacitantes.
Ozempic, Mounjaro e outros remédios da mesma classe provocam perda de peso por redução da quantidade de gordura, mas também da massa muscular. Subir na balança não permite discriminar a proporção músculo/gordura. O emagrecimento ideal é aquele que vem da perda de tecido adiposo acompanhada da manutenção ou do ganho de massa muscular.
As pessoas que fazem uso prolongado dessas drogas chamam nossa atenção pela silhueta, mas também porque parte delas têm rosto com aparência doentia. É muito sugestivo de que exista relação de causa e efeito.
Mensurações periódicas dos níveis de gordura e de massa muscular durante o tratamento, por métodos de imagem, são possíveis, mas não estão ao alcance da maioria dos que penam para comprar medicações tão caras. Sendo assim, os médicos que as prescrevem, precisam ressaltar a necessidade de cuidar da dieta, de cortar os exageros à mesa e de praticar atividade física com regularidade.
Emagrecer às custas de drogas que reduzem o apetite, sem abandonar a vida sedentária, com liberdade para comer o que a gente mais gosta, é sonho de todos os que lutam contra a balança. Sonhar é bom, mas não hipertrofia músculo nem derrete gordura.