Diabetes é epidemia mundial. Segundo o Atlas publicado pela Federação Internacional de Diabetes, existiriam no mundo cerca de 537 milhões de pessoas com a doença, 80% das quais vivendo nos países em desenvolvimento, como o nosso. As previsões são de que em 2030 haverá 643 milhões, número que aumentará para 784 milhões em 2045.
A mesma federação estima que no Brasil convivem com o diabetes cerca de 17 milhões de mulheres e homens na faixa dos 20 aos 79 anos de idade. Nosso país ocupa o quinto lugar mundial em incidência, atrás apenas de China, Índia, Estados Unidos e Paquistão.
Esses números devem ser tomados com reservas, porque se baseiam em dados obtidos com pessoas que já receberam o diagnóstico, isto é, naquelas com glicemia de jejum de 126 ou mais, o critério estabelecido pelas associações internacionais para caracterizar a enfermidade. No entanto, há muita gente nas ruas com glicemia acima desses níveis, sem apresentar qualquer sintoma e sem desconfiar que sofre de uma doença que é silenciosa nas fases iniciais.
O assim chamado pré-diabetes é uma condição reversível, com intervenções simples ao alcance de todos nós.
Há tempos ficou clara a relação entre obesidade e a instalação do diabetes do tipo 2, que quase sempre ocorre na vida adulta. A obesidade não tem importância apenas na instalação da doença, mas no controle da glicemia daqueles que dependem de insulina e de outros medicamentos hipoglicemiantes. Como regra, quanto maior o peso corpóreo, maior a dificuldade em controlá-la.
No International Journal of Obesity, a equipe de Hong-jie publicou uma metanálise (avaliação de vários estudos) para quantificar o risco de desenvolver pré-diabetes de acordo com o peso corpóreo. Pré-diabetes é uma condição que inclui pessoas que apresentam glicemias de jejum ente 100 e 125, portanto na faixa intermediária entre a da normalidade e a do diabetes.
Vamos lembrar que o Índice de Massa Corpórea (IMC) é calculado dividindo-se o peso em quilogramas pela altura em metros ao quadrado (IMC= peso/altura x altura).
IMC abaixo de 18,5 cai na faixa de baixo peso; entre 18,5 e 24,9 na faixa de peso normal ou adequado; entre 25,0 e 29,9 sobrepeso; acima de 30,0 obesidade, tão mais grave quanto mais alto for o número.
Na metanálise, foram avaliados 84 estudos sobre o tema, que envolveram 2,69 milhões de participantes, de 20 países. Quando comparados aos que têm peso adequado, participantes na faixa de "baixo peso" correm risco 7% menor de evoluir para o grupo com pré-diabetes. Aqueles na faixa de sobrepeso correm risco 2,2 vezes mais alto. Já, nos que caem na faixa de obesidade o risco aumenta 4,5 vezes. Entre os que estão com IMCs acima de 40 (obesidade grave), o risco passa a ser 23 vezes mais alto.
O conceito de pré-diabetes foi criado por sociedades médicas norte-americanas nos anos 1990, para caracterizar pessoas com glicemias de jejum pouco elevadas (entre 100 e 125), que não chegam a caracterizar diabetes. A maioria das Sociedades Europeias de Endocrinologia considera esse conceito inadequado, por dar a entender que elas evoluirão para diabetes, inevitavelmente.
Não é o caso. Um estudo realizado pelos Centers for Diseases Control, dos Estados Unidos, mostrou que, acompanhados durante cinco anos, apenas cerca de 20% desenvolvem diabetes franco. Os demais continuam com glicemias abaixo de 126.
Vários estudos confirmaram que a administração de metformina para esse grupo reduz o número dos que evoluem para diabetes. Seria razoável tratar todos os que atingissem tais níveis de glicemia, sabendo que 80% deles não desenvolveriam diabetes nos cinco anos seguintes, mesmo sem medicação? Não seria mais razoável convencê-los a perder peso, aumentar os níveis de atividade física e adotar dietas ricas em fibras vegetais, com menos gordura e carboidratos?
Atenta às oportunidades comerciais, a indústria farmacêutica está empenhada em desenvolver medicamentos novos, específicos para essa população. O mercado é enorme. Nos Estados Unidos, representa cerca de 80 milhões de pessoas, no Brasil cerca da metade desse número.
O assim chamado pré-diabetes é uma condição reversível, com intervenções simples ao alcance de todos nós. Aqui vale a mensagem de saúde pública que tenho repetido à exaustação: "Não dá para passar o dia sentado, comendo tudo o que nos oferecem".